Por entre folhas de ouro e o fundo com desenhos de mosaicos bizantinos, que fizeram da tela “Adele Bloch-Bauer I” (1907) a obra mais importante do austríaco Gustav Klimt (1862-1918), estão gravados também episódios emblemáticos do século 20. Só o resgate da pintura, roubada pelos nazistas em 1938 e recuperada 68 anos depois em um intrincado processo que chegou à Suprema Corte dos EUA, já envolve temas como as duas grandes guerras e o antissemitismo que aflorou na Áustria ainda no século 19.
Mas a história da obra também passa pela chamada idade de ouro de Viena, quando uma nova elite intelectual, formada por famílias judias como os Bloch-Bauer, ajudou a fazer da cidade epicentro cultural da Europa. Não por acaso, foi entre 1897 e 1907 que Sigmund Freud (1856-1939) escreveu “A Interpretação dos Sonhos”, o compositor Gustav Mahler (1860-1911) comandou a principal casa de ópera da cidade e Gustav Klimt ajudou a criar um movimento para romper com a tradição acadêmica, a Secessão de Viena.
No ano em que se celebra o 150.º aniversário de nascimento do artista, fatos como esses aparecem no livro “The Lady in Gold”, da jornalista americana Anne-Marie O’Connor, previsto para ser lançado no Brasil no segundo semestre pela José Olympio. Já o retrato de Adele pode ser visto na Neue Galerie, em NY, na exposição “Gustav Klimt: 150th Anniversary Celebration”, aberta até agosto.
Ao lado de pinturas, a mostra exibe pôsteres, desenhos e fotografias inéditas de Klimt. Em algumas delas, ele aparece ao lado da estilista Emilie Flöge, amiga e companheira do artista até sua morte, causada por sífilis, aos 55 anos. A seleção inclui ainda estudos (de 1901 a 1907) para pinturas encomendadas pela Universidade de Viena e rejeitadas pelo governo. Mas foi graças a desavenças como essas com a aristocracia que Klimt se aproximou da elite judaica e passou a fazer obras sob encomenda, ganhando notoriedade pelos retratos sensuais de mulheres de importantes industriais da época, como a própria Adele Bloch-Bauer.
Criada em 2001 pelo milionário colecionador Ronald S. Lauder como um museu de pequeno porte, dedicado à produção de artistas austríacos e germânicos do período de 1890 a 1940, a Neue Galerie viu sua história mudar em 2006, quando “Adele Bloch-Bauer I” passou a fazer parte do acervo. “Essa obra transformou uma galeria pequena em um museu conhecido no mundo todo”, ressalta Renée Price, diretora do espaço.
Mas o que atraiu a atenção do mundo para o retrato de Adele, filha de banqueiro e casada com um industrial, não foi só a importância artística da obra. Logo depois de ter sido devolvida aos herdeiros de Adele Bloch-Bauer, em 2006, a tela foi arrematada por Lauder por US$ 135 milhões – valor mais alto já pago por uma obra de arte até então. “Isso também despertou a atenção de pessoas que não estavam exatamente interessadas em arte e queriam apenas ver a obra mais cara do mundo”, conta Renée.
Nos Estados Unidos, sempre houve uma resistência ao artista. Apesar de já fazer parte do acervo do MoMA, sua primeira exposição importante somente aconteceu em 1965, no Guggenheim, quando a tela “O Beijo” foi descrita pelo Washington Post como “a essência da fraude vulgar”. No entanto, essas restrições não atingiram em nada a popularidade do artista. As reproduções da tela “O Beijo” em pôsteres e camisetas competem quase no mesmo grau com as pinturas de Andy Warhol (1928-1987). No design e na moda, não faltam exemplos de referências tiradas de seus adornos e padronagens. Estilistas como Alexander McQueen (1969-2010), Christian Dior e Carolina Herrera são alguns nomes que já levaram a “estética Klimt” para as passarelas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.