Pode ser mera coincidência, mas o timing para a programação do ciclo dedicado a Oscar Micheaux pelo Centro Cultural Banco do Brasil não poderia ser mais apropriado. Os temas da escravidão e do racismo têm estado em evidência no cinema de Hollywood em filmes como Lincoln, de Steven Spielberg, e Django Livre, de Quentin Tarantino. Mas, agora, a revolta voltou às ruas dos EUA com a polêmica absolvição do branco que matou o garoto negro.

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“A questão racial é um ruído de fundo na sociedade americana”, advertia na capa do Aliás, do jornal “O Estado de S.Paulo” de domingo o neurocirurgião Carl Hart, da Universidade Columbia. E o próprio Barack Obama chegou a declarar que Trayvon, o garoto morto, podia ser seu filho. Depois retificou – ele próprio poderia ter tido o destino de Trayvon numa sociedade, a norte-americana, que só consegue resolver seus conflitos por meio da violência, como não se cansava de dizer o grande Arthur Penn, autor de clássicos como Bonnie & Clyde e Um Lance no Escuro. O que isso tem a ver com Micheaux?

Para muitos espectadores, mesmo cinéfilos de carteirinha, será uma surpresa descobrir que existiu esse diretor. Micheaux nasceu em 1884, morreu em 1951. Se o racismo, como um ruído de fundo, persiste na “América” mesmo sob um presidente negro, você pode imaginar que as condições eram muito mais difíceis nos anos 1920 e 30, quando Micheaux – será exagero afirmar isto? – inventou o cinema negro nos EUA. Jean Tulard, no Dicionário de Cinema, diz que ele foi um curioso roteirista, diretor e produtor de filmes, muitos dos quais com a particularidade de ter como intérpretes somente atores negros.

O ciclo do CCBB não apenas resgata filmes pouco conhecidos e até desconhecidos, como busca contextualizar essa obra singular, mostrando como a supremacia branca encarava o negro na época. No total, serão exibidos 27 títulos, e, além dos realizados pelo próprio Micheaux – como The Homesteader, o primeiro filme realizado por um cineasta negro, em 1919 -, você também poderá rever obras importantes de outros diretores. É esse recorte que dá sentido ao título do evento – Oscar Micheaux, O Cinema Negro e a Segregação Racial. O gênio de Micheaux, que você vai descobrir, foi ter lutado para colocar o negro na tela distante das caricaturas de Griffith e Crosland. Muito de sua obra envelheceu, tem interesse museológico. Mas existem filmes que ainda surpreendem.

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Dentro de Nossas Portas é sobre mulher que busca levantar escola que foi palco de um terrível acontecimento em seu passado. O Símbolo do Inconquistado aborda pressões para forçar proprietário negro a abandonar suas terras, ricas em petróleo. Corpo e Alma mostra pastor religioso que abusa de garota da congregação e a induz a roubar a própria mãe. Submundo é sobre estudante que se deixa influenciar por criminoso. Os Filhos Adotivos de Deus tem tudo a ver com Imitação da Vida, por meio da garota que tenta se passar por branca numa sociedade que rejeita o negro. Micheaux não retrata o negro apenas como vítima. É duro ao criticar como ele reproduz esquemas vigentes de poder e se torna o algoz da própria raça.

OSCAR MICHEAUX – CCBB. R. Álvares Penteado 112, Centro, 3113-3651. R$ 4. De 24 a 4/8. www.bb.com.br/cultura

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As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.