A retrospectiva cobre os últimos 30 anos de trabalho do fotógrafo Klaus Mitteldorf, mas ele começou a fotografar bem antes – na verdade, aos 12 anos, ao ganhar uma Yashica do pai. Aos 19 anos, esse arquiteto – que nunca exerceu a profissão – foi também precoce ao registrar o primeiro documentário sobre surfe de que se tem registro aqui, sendo ele mesmo um dos surfistas pioneiros nas praias do litoral brasileiro. Mais conhecido por fotos publicitárias, Mitteldorf, aos 60 anos, ganha, a partir de sábado, uma exposição na Faap, “Work”, que destaca suas séries mais autorais, algumas vencedoras de prêmios internacionais, como “O Último Grito” (Pinacoteca do Estado, 1998), que ganhou o Festival de Higashikawa, no Japão.

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Com curadoria do professor e crítico Rubens Fernandes Jr., a retrospectiva reafirma a maestria de Mitteldorf no uso das cores, aproximando-o da sintaxe visual pop, mas destacando um lado menos observado em sua fotografia, o do diálogo com as vanguardas artísticas do começo do século passado (Lartigue, por exemplo) e com a pintura do inglês Francis Bacon – particularmente notável numa foto da série “O Último Grito”. Nela, a modelo Alexandra von Schwerin surge nadando, em 1993, no Walchensee, lago dos Alpes bávaros. Seu rosto é uma massa disforme, que remete não só às distorções do húngaro André Kertész (1894-1985) como aos corpos desfigurados de Bacon.

O curador Rubens Fernandes Jr., diretor da Faculdade de Comunicação e Marketing da Faap, analisando o conjunto de imagens na retrospectiva, destaca como as três principais características do trabalho do fotógrafo o movimento (também o motor da arte de Lartigue, igualmente obcecado pela água), o grafismo (que o aproxima dos construtivistas russos e do neoplasticismo) e o tratamento da cor (que ele subverte). O curador aponta para uma foto de 1997 que mostra justamente essa distorção formal e saturação cromática, a ponto de sugerir um parentesco com o ícone do modernismo brasileiro, a tela “Abaporu”, pintada em 1928 por Tarsila.

Mitteldorf revela que essa aproximação não foi deliberada. A foto, feita em Cabo Frio, mostra uma modelo de costas, pintada de vermelho contra o azul do céu. Feita por encomenda da Olympus, o fotógrafo só descobriu posteriormente as semelhanças com a pose do “Abaporu” – vivia-se, então, o império da película fotossensível e as câmeras digitais, que permitem visualização imediata, eram pouco usadas. “A fotografia me ajudou a enxergar coisas que eu não via”, resume o fotógrafo, em frente à sala com fotos de uma de suas séries mais perturbadoras, “Introvisão” (exibida na Pinacoteca em 2006), grupo de imagens de corpos metamorfoseados em composições abstratas. O realismo das primeiras fotos, observa o curador, é trocado pela deformação nesse ensaio, que lida com as distorções causadas pela refração e reflexão da luz na água. Nela, segundo ele, Mitteldorf “usa todos os artifícios que teve à mão para criar efeitos de um mundo fantasmagórico, surreal”.

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Os laços com o surrealismo são evidentes numa das fotos mais reproduzidas em toda a carreira de Mitteldorf, que mostra uma garota com os dois olhos encobertos por uma borboleta azul. “Foi uma imagem que me apareceu em sonho”, conta Mitteldorf, revelando a modelo: a atriz Ana Paula Arósio, aos 12 anos, branca como uma máscara de teatro Nô. Nesse belo rosto se destacam os lábios vermelhos que seduziriam (quatro anos mais tarde) o pai incestuoso Ben Gazzara no filme de estreia da atriz, “Forever” (1991), de Walter Hugo Khouri (1929-2003). As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

WORK: KLAUS MITTELDORF

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Museu de Arte Brasileira (R. Alagoas, 903). 3ª a 6ª, às 20 h; sáb., dom. e feriados,

13 h às 17 h. Até 20/10.