Amantes do gênero do terror têm oportunidade rara de não apenas imaginar, mas estar frente a frente com monstros da literatura mundial. Em Histórias Extraordinárias, uma série de seis textos ganha versão para o palco do Centro Cultural Banco do Brasil a partir desta quinta, 6.
Para inaugurar a mostra, a curadoria da jornalista Beatriz Gonçalves elegeu A Cor Que Caiu do Espaço (1927), de H.P Lovecraft, dirigido por José Roberto Jardim, e Frankenstein (1818), de Mary Shelley, encenado por Roberto Alvim. O primeiro é um conto que narra a queda de um meteoro em uma propriedade rural e que altera a fauna e a flora locais, por influência de uma estranha “aberração cromática”. O desafio proposto pelo texto foi recebido com certo “terror” pelas mão do diretor, e pela atriz Lavínia Pannunzio. “A história não tem um personagem claro, mas uma série de acontecimentos causados pela presença desse ser. O caminho para levá-lo ao palco precisou ser descoberto.”
A estrada criada para chegar a esse horror cósmico passa pelos bons frutos que o diretor colheu em Adeus Palhaços Mortos (2016), espetáculo banhado nas falhas digitais e defeitos inesperados do funcionamento de máquinas chamados glitches. Em A Cor Que Caiu do Espaço, Jardim dispensa a iluminação do palco e a iluminadora Paula Hemsi cria um traquitana independente, como uma grande “aranha” cujas pernas iluminam e cercam a atriz no centro da estrutura. O piscar e apagar de cada ponto de luz, e suas combinações, esculpem faces em uma Lavínia ora sombria, ora grotesca, e, em alguns momentos, irreconhecível. “A história cresce em mistério, ao virar de cada página. É como se ela fosse um grande vírus de destruição”, explica o diretor.
Na mesma noite, Alvim apresenta sua versão para o romance gótico de Shelley. Em Frankenstein, vivido por Juliana Galdino, a presença de um monstro criado a partir de corpos mortos inspira o terror que está por vir. A adaptação feita pelo dramaturgo Sérgio Roveri, e considerada “brilhante”, pelo diretor, cria pontos de contato entre o texto escrito no século 19 com a crise migratória na Europa. Na primeira cena, a voz de uma criança cantando em árabe anuncia que a criatura de Dr. Frankenstein está à margem do mundo. “O doutor está realizando um experimento em um hospital na Síria e utiliza corpos árabes para construir sua criatura”, conta Alvim.
“Em meio a um bombardeio, o monstro desperta e quer buscar seu criador e descobrir sua identidade.” Juliana, em mais uma de suas transmutações em cena, como em Leite Derramado (2016), e Comunicação a Uma Academia (2012), expõe o desconforto de um ser que caminha e se move como um quebra-cabeça ambulante. Em uma cena, ele tem um vislumbre de si mesmo ao olhar para um homem que teve a perna mutilada ao pisar em uma mina. “Para reencontrar seu criador, ele ainda atravessa o mar em um barco de migrantes que segue para a Europa”, conta ainda Alvim.
Uma característica da mostra é a de trazer dois espetáculos por dia, no mesmo palco, um seguido do outro, após um intervalo de 10 minutos (um tempo, digamos, mais que arriscado).
A maratona ganha novas peças a partir de 13 de setembro. Jardim abre com o conto O Poço e o Pêndulo (1842), de Edgard Allan Poe, também interpretado por Lavínia. A história narra a tormento que acomete um personagem torturado pela Inquisição espanhola. “É uma experiência em primeira pessoa. Ele não consegue diferenciar realidade de alucinação”, conta o diretor. Alvim prossegue com Drácula, de Bran Stoker, vivido por Cacá Carvalho. O ator adentra a ficção gótica de 1897 e o vampiro ícone é colocado em uma estrutura que o eleva a alguns metros do palco. “Ele representa essa figura que fica no umbral, entre a vida e a morte”, explica Alvim. “A literatura de terror antecipou nesses monstros o que veríamos na Auschwitz, Hiroshima. O próprio significado de monstro indica que algo está para se transformar.”
Para encerrar, no dia 20 de setembro, Alvim abre a última programação com Guerra dos Mundos, de H.G. Wells. Na adaptação de Daniela Pereira de Carvalho, a plateia acompanha o ensaio de uma atriz, interpretada por Juliana, que fica sabendo da invasão alienígena e fecha as portas do teatro. Em seguida, Cacá Carvalho vive a esquizofrenia de O Médico e o Monstro (1941), de Robert Louis Stevenson. “Com H.G. Wells, temos a alteridade radical de um monstro vindo de outro planeta”, conta. “Na dualidade de O Médico e o Monstro, o desprezo pelo efetividade do bem é substituído pelo prática livre do horror, que é eterno.”
HISTÓRIAS EXTRAORDINÁRIAS CCBB. R. Álvares Penteado, 112. Tel.: 3113-3651. 5ª, 6ª, sáb., 2ª, 20h, dom., 18h. Estreia 5ª (6). R$ 30/R$ 15. Até 7/10.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.