Mostra de Heinz Emigholz lança novo olhar sobre prédios

Aaron Cutler e Mariana Shellard compartilham duas coisas – um contrato matrimonial e a atração pelo espaço público como matérias de criação (e reflexão). Ele é cineasta; ela, artista plástica. Assinam a curadoria da retrospectiva de Heinz Emigholz que começa nesta quinta, 30, no Centro Cultural São Paulo. Heinz quem? Embora seja um artista experimental renomado, com uma obra reconhecida internacionalmente – a American Cinematheque dedicou-lhe uma programação especial em sua sede do Hollywood Boulevard, em Los Angeles, o Egyptian Theatre -, Emigholz ainda é desconhecido no Brasil. A partir desta quinta, o tempo do verbo vai mudar – era desconhecido. A mostra Architecture as Autobiography, Arquitetura como Autobiografia, traz a íntegra da obra do autor.

Você nunca viu a arquitetura, na tela, como nos filmes de Emigholz.

Há quase 30 anos ele procura transmitir a passagem do tempo no cinema por intermédio da arquitetura. Seus filmes propõem passeios contemporâneos por edifícios e outros espaços arquitetônicos, mostrando como são habitados e como foram transformados pelas pessoas ao longo da história. Os filmes focam trabalhos de arquitetos modernistas como Louis Sullivan, Rudolph Schindler, Pier Luigi Nervi, Auguste e Gustave Perret, entre outros. Estes arquitetos e suas obras são apresentados sempre de um ponto de vista pessoal, oferecendo ao espectador um recorte sobre a herança que o século 20 deixou para o 21.

Em entrevista, Emigholz se explica. “Arquitetos não escrevem suas biografias. Eles as constroem.” E na maneira como vemos/lemos as obras de arquitetos podemos também, quem sabe, construir nossas biografias. Mariana Shellard conta – “Assistimos a Perret, na Argélia e na França em Toronto, em 2012. Até então, não sabíamos nada sobre Heinz (Emigholz), mas o filme nos causou uma impressão tão funda que fomos atrás dele para uma entrevista. Descobrimos que ele possuía uma obra, e que discutia o espaço público, o que nos interessa. Somos próximos da produtora cultural Mila Zacarias. Ela queria montar alguma coisa, uma exposição, sobre arquitetura. Desse encontro, e de nossas discussões, nasceu a retrospectiva de Heinz.”

O CCSP e o Instituto Goethe incorporaram-se à iniciativa. “Me agrada muito que nosso evento esteja ocorrendo no Centro Cultural São Paulo. O próprio prédio é muito interessante e dialoga com a obra de Heinz, com a maneira como ele nos convida a olhar o espaço, a se movimentar nele, a incorporá-lo. Heinz vem à cidade para a retrospectiva. Tenho certeza de que vai gostar bastante do Centro Cultural.” Em São Paulo, a retrospectiva realiza-se de 30 de julho (quinta) a 13 de agosto. No Rio, haverá uma versão reduzida, de 8 a 16 (de agosto), no Instituto Moreira Salles. O IMS localiza-se na antiga mansão da família Salles, que o público conhece do documentário Santiago, de João Moreira Salles. É outro prédio que deverá fazer a cabeça de Heinz Emigholz.

Com 24 filmes, entre longas e curtas-metragens, a mostra é a maior retrospectiva de filmes do artista e cineasta fora da Alemanha. Todos os filmes são inéditos no País e serão apresentados em seus formatos originais de projeção (35 mm, DCP e arquivo digital em alta resolução). A retrospectiva contará com a presença do diretor para dois eventos abertos ao público – uma conversa com o curador Aaron Cutler, e um debate com o crítico de cinema Filipe Furtado e o professor e urbanista Renato Cymbalista. “Na maioria das vezes, os documentários sobre arquitetos focalizam mais a vida que a obra dos biografados”, reflete Mariana. “O que mais nos atraiu foi que os filmes de Heinz nos forçam a um outro olhar.”

Basta prestar atenção na série A Base da Maquiagem. Integrada à Fotografia e Além e alicerce de futuras obras, a série apresenta uma leitura visual dos diários de Emigholz e um diário de seu pai Heinrich Emigholz, assim como colagens, desenhos e fotografias de lugares por onde ele passou. No limite, e de forma muito intensa e pessoal, Emigholz indaga-se sobre a obra e o artista, a destruição nuclear, a degradação urbana, a permanência (ou não) da arquitetura. “Toda obra de Heinz é um diário de viagem que nos embarca num roteiro muito original”, destaca Aaron Cutler.

E Mariana prossegue – “Eu até acho que ele consegue ser didático, passando informações, mas a maneira como toma tempo, propõe ângulos tortos e nos faz passear pelos prédios, tudo é muito rico e é muito dele. Tem a sua marca.” O filme sobre Perret, por exemplo. “Heinz visita construções na França e Argélia. Nos leva numa viagem de prospecção pelo presente, de olho no futuro. É diferente de Parabeton – Pier Luigi Nervi e o Concreto Romano. No filme sobre Nervi, a relação é com o passado, a forma como o arquiteto utiliza o concreto para dialogar com a arquitetura histórica romana.”

Dos bancos construídos por Louis Sullivan nos EUA às esculturas de animais e deuses greco-romanos que ornamentam o interior da casa de Gabriele D’Annunzio, a arquitetura (auto)biográfica não é só uma conversa sobre prédios, mas sobre outro edifício, o do cinema. Na maioria das vezes, ele prescinde das palavras, mas nunca do som. “E não é um som ambiente. É um som mixado que faz parte da concepção artística da obra. Som das pessoas, de pássaros. Ruídos. É tudo muito elaborado e intrigante. Ficamos (Cutler e ela) seduzidos pelo cinema de Heinz (Emigholz) e só esperamos que o público de São Paulo e do Rio fique também”, Mariana conclui. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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