O escritor Philip Roth estava cercado de amigos e pelo menos duas ex-namoradas quando morreu, aos 85 anos, na noite da terça-feira, 22, num hospital de Nova York. Roth passou três semanas internado por causa do agravamento de sua insuficiência cardíaca congestiva. Os problemas de coração começaram na década de 1980 e, em 2012, ao escolher como biógrafo Blake Bailey, Roth disse que esperava viver mais um ano.

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Considerado o maior romancista contemporâneo dos Estados Unidos, Roth não viveu o bastante para ganhar um prêmio Nobel, mas, em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, Bailey conta que o romancista se divertiu muito com o fato de Bob Dylan, contemplado com o Nobel de Literatura em 2016, ter ignorado por várias semanas a Academia Sueca, que reagiu, insultada.

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Philip Roth nasceu em 1933 no bairro judaico de Weekahic, em Newark, New Jersey, separado por uma pequena baía de Manhattan, onde ele viveu por décadas. Sua vida literária começou explosiva em Illinois, quando ele estudava na Universidade de Chicago e publicou Adeus, Columbus, uma coleção de contos que ganhou o maior prêmio literário americano, o National Book Award. Vários rabinos e até o filósofo Gershon Scholem denunciaram a sátira de Columbus ao paroquialismo de judeus de classe média.

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O livro se tornou best-seller e estabeleceu, mais para a crítica do que para o próprio autor, a identidade de Roth como escritor judeu secular, além de explorador do desejo sexual e do caráter norte-americano. Ele preferia se considerar sobretudo americano, lembra o historiador Sean Wilentz, da Universidade de Princeton, amigo que conseguiu se despedir de Roth na noite de terça-feira. “Ele escrevia sobre judeus na América, o que é diferente do que escreveria um escritor judeu francês. Não existe universalidade judaica no romance,” diz Wilentz.

Philip Roth apelidou Wilentz de “Doc” e lhe pedia listas de livros de história que devorava com apetite voraz. Durante a pesquisa de O Complô Contra a América (Companhia das Letras, 2005) , Wilentz cedeu um aluno de Princeton para checar fatos. “Roth era também um historiador,” argumenta Wilentz. “Você vê na obra o fascínio e o horror com a cultura americana.”

Em 2012, quando chocou leitores anunciando que Nêmesis seria seu último livro, Philip Roth se reuniu em Nova York com Blake Bailey, autor de celebradas biografias, entre elas, Cheever, Uma Vida, sobre o grande contista e romancista John Cheever. Depois de sabatinar Bailey com uma longa lista de perguntas, Roth lhe deu seu arquivo, além de acesso total a quem o conhecia. Bailey enfrentou a pilha de caixas que batia no teto de sua casa até dezembro e começou a escrever. Está na página 303 e, “já peço desculpas antecipadas, devo passar de 800 páginas”.

“Eu vou lhe dar um ano,” disse Roth ao biógrafo, sugerindo que não esperava sobreviver a 2013. Mas “graças a sua disciplina férrea,” recorda Bailey, fazia exercícios na piscina todas as manhãs, controlava a dieta, o que, conclui o biógrafo, era sinal de que ele gostava de estar vivo. Blake Bailey tem uma de duas cópias de um livro de 300 páginas, que Philip Roth pensou em queimar – a outra está com a responsável pelo seu espólio. É uma resposta detalhada às acusações de maus tratos feita pela atriz britânica Claire Bloom, com quem Roth foi casado nos anos 1990 – período que ela descreveu no livro de memórias Leaving A Doll’s House, em 1996. Roth retaliou em ficção, no romance Casei Com Um Comunista. Bailey vai usar o livro não publicado na biografia de Roth.

O drama do Nobel afetava mais seus admiradores do que o próprio Roth. Entre inúmeros prêmios, ele ganhou dois National Book Awards, um Pulitzer, um Man Booker Prize no Reino Unido e recebeu do presidente Barack Obama a Medalha Nacional de Humanidades, em 2011. Fora o Nobel, revela Bailey, se Roth pudesse polir um de seus 31 livros seria seu primeiro, Adeus, Columbus. “Ele despreza aquele livro.” Mas não A Humilhação?, pergunto, seu penúltimo romance, recebido com péssimas críticas. “É o pior livro dele!,” exclama, “mostra como estava perdendo o vigor. Ele não admitia explicitamente, mas posso garantir que não queria ser lembrado por uma obra encerrada com A Humilhação.”

Nêmesis, seu elogiado romance final, passou por treze revisões completas e Sean Wilentz lembra o alívio que a recepção crítica trouxe a Roth. “Eu abri os olhos,” respondeu laconicamente Roth, quando Wilentz perguntou por que parar.

“Não houve ego na decisão de parar,” diz ao Estado a escritora Judith Thurman, amiga de Roth e biógrafa de Isak Dinesen (Karen Blixen). “Roth parou quando decidiu que não ia escrever à altura do que exigia de si mesmo.” O escritor sisudo das fotos de imprensa, diz ela, foi um animal social até o final da vida. Roth continuava perturbado com a ascensão de Donald Trump à presidência. “Ele me disse que em toda sua vida nunca tinha se sentido tão pessimista e temeroso pelo país,” revela Thurman.

O romancista Gary Shteyngart (Fracassinho) responde com tristeza ao telefonema da reportagem. “Philip Roth não teve par”, afirma Shteyngart, judeu emigrado da antiga União Soviética, que leu O Complexo de Portnoy na adolescência. “Para mim, foi um convite à liberdade. Até então, não sabia que era possível explorar coisas como sexo na vida judaica com aquela coragem.”

Shteyngart não acredita que um novo Roth teria a mesma proeminência. “Ele apareceu na idade de ouro da literatura americana; estamos agora na de bronze. A literatura não pilota mais a vida cultural,” diz. “Mas não haveria Jerry Seinfeld ou Louis C.K. sem Roth,” ele sugere. “A bravura hoje parece se manifestar em comediantes. Portnoy seria grande material para comédia stand-up.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.