Desajustado. Por anos Morrissey definiu a si mesmo como um pária, uma pessoa muito além – ou quem sabe aquém – das expectativas de uma sociedade consumista e pautada ao culto das divindades terrenas que povoam a cultura pop. Aos 54 anos, o cantor inglês, que nos anos 80 esteve à frente do lendário quarteto The Smiths, deixa claro que ele, mais que ninguém, está inserido nesse mundo comum, prosaico e se vê alvo de uma devoção messiânica. A prova disso é o show “25: Live”, gravado na conturbada turnê norte-americana deste ano, e transmitido nesta quinta-feira (03) por uma rede de cinemas.
Comemorando as bodas de prata de sua carreira solo, Morrissey colocou os fãs frente a frente com uma apresentação intimista, gravada na Hollywood High School, para uma plateia pequena – levando em conta os padrões “futebolísticos” de seus shows. Sarcástico, o bardo não perde a oportunidade de interagir com o público, chegando a entregar o microfone aos afortunados da primeira fileira. “Você quer falar?”, diz. E o que se escuta como resposta é a fuzilaria elogiosa de um séquito fiel que não cansa de dizer ter sido salvo por músicas como “Please, please, please let me get what I want”, “Still ill”. “Everyday is like Sunday” e “Alma matters”.
Mesmo não despertando a mesma emoção que um show, assistir ao Morrissey no cinema não faz feio. Com um set list que abrange toda sua carreira, inclusive os anos em que esteve com Johnny Marr, Andy Rourke e Mike Joyce, ele mostrou porque ainda é relevante, colocando na ponta da língua de sua plateia – tanto do cinema quanto da Hollywood High School – versos pungentes, muitas vezes com pequenas alterações, como “It’s my life to destroy my own way” ou o hino vegetariano arrancada a fórceps em “Meat is murder”.
“A lovely singing voice”
Apesar de momentos menos inspirados como o cover de “To give (the reason I live)”, de Frankie Valli, que poderia ser facilmente substituído por “Satelite of love”, do icônico Lou Reed, que Morrissey apresentou em 2011, a apresentação não deixa nada a desejar aos shows de Glastonbury, em 2011, ou Viña del Mar, em 2012, quando também passou pelo Brasil.
Mesmo 2013 não tendo sido um dos melhores anos para o cantor, que teve intoxicação alimentar no Peru e teve de cancelar toda a sua turnê sul-americana, além da úlcera hemorrágica que o fez interromper sua passagem pelos EUA, Morrissey lança em outubro duas versões desse show, em DVD e Blu-ray, além de sua tão esperada autobiografia que, conforme a Penguin Books, deve sair no próprio dia 17 na Europa. Sem dúvidas, como o próprio Morrissey diz, o microfone é sua lápide.
