Morre o escritor turco Yasar Kemal, autor de ‘Memed, Meu Falcão’

Ele vivia na linha de confronto com os governantes turcos e viveu o suficiente para ver seu país adotar -ainda que de modo frágil – o regime democrático. Sua idade era incerta (alguns dizem que ele morreu aos 92, outros, com 91 anos), mas nem mesmo o escritor Yasar Kemal era capaz de afirmar a idade certa, pois a aldeia onde nasceu na Turquia, Hemite (hoje Gokcedam), na Anatólia, não mantinha registros de nascimento. Tanto melhor. Kemal, afinal, queria ser um mito como Slim Memed, o menino rebelde de Memed, Meu Falcão (1955), talvez seu romance mais popular entre as duas dúzias de livros que escreveu – dos quais nada menos do que nove foram adaptados para o cinema. O escritor morreu nesse sábado, 28, de insuficiência respiratória e arritmia cardíaca, num hospital de Istambul, onde estava internado desde 14 de janeiro, segundo informou a agência de notícias turca Anadolu.

Porta-voz dos curdos, Yasar Kemal fez do personagem Memed sua persona literária, ao eleger um menino como um rebelde que luta contra a arbitrariedade de governos tiranos, abandonando a família e seu grande amor para combater a opressão nas montanhas da Turquia. Tornando-se líder, Memed vira mesmo um mito entre as camadas populares nesse romance épico que é ao mesmo tempo um livro de aventuras. Várias vezes lembrado para receber o prêmio Nobel, Yasar, que foi traduzido para 40 idiomas, não chegou a receber o prêmio, entregue a Orhan Pamulk em 2006, o que praticamente eliminou suas chances no anos seguintes, considerando as campanhas que os sucessivos governos turcos sempre fizeram contra o autor, especialmente nos anos 1980 e 1990 – nacionalistas turcos o consideravam um traidor.

Nascido Kemal Sadik Gokceli numa família turca de origem curda, o escritor começou a se interessar por literatura aos oito anos, quando escreveu os primeiros poemas, enquanto os homens de sua família desapareciam um a um lutando contra o governo, como seu tio Mahiro, “o mais famoso fora-da-lei da Anatólia”, segundo o escritor. Depois de trabalhar nas plantações de algodão e operar tratores no meio rural, arranjou emprego numa livraria em Adana, seguindo, já adulto, para Istambul, em 1951, onde trabalhou como jornalista e foi hostilizado por defender armênios, elegendo-os como personagens em alguns livros.

Denunciando o racismo do governo turco em 1995, ele acusou o regime de passar como um trator sobre a população da Anatólia, destruindo aldeias curdas, chegando a ser processado pela acusação. Kemal, cego de um olho desde os cinco anos, quando um a faca escapou das mãos de um açougueiro, deixou uma autobiografia, Yagmurcuk Kusu (Pássaro da Chuva).

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo