São Paulo – A morte do escritor cubano Guillermo Cabrera Infante, anteontem, em Londres, aos 75 anos, deve provocar uma corrida editorial pelos textos inéditos deixados pelo autor, dissidente anticastrista cujas novelas, produzidas no exílio londrino, jamais deixaram de adotar Havana como cenário. O último livro de Cabrera Infante, La Ninfa Inconstante, que exigiu mais de dez anos de produção, já foi publicado no exterior. É um relato autobiográfico contando as aventuras pessoais do escritor na capital cubana, que abandonou em 1965, ao renegar o regime de Fidel Castro, do qual foi colaborador.
Cabrera Infante morreu no hospital Chelsea and Westminster, em Londres, aos 75 anos, em conseqüência de uma septicemia (infecção generalizada). Diabético, o escritor sofreu uma queda acidental em sua casa londrina, fraturou o quadril e estava sendo tratado de uma pneumonia. O mais cosmopolita dos escritores cubanos, Cabrera Infante tem seis livros lançados no Brasil, entre os mais de 50 publicados lá fora. Entre eles, o mais popular é também o primeiro êxito comercial e crítico no exílio, Três Tristes Tigres.
A advertência inicial de Três Tristes Tigres confirma: o escritor jamais teve a ilusão de que conseguiria se afastar de suas raízes latinas. Cabrera Infante diz que seu livro é ?cubano? e foi escrito em diferentes dialetos do espanhol falados em Cuba. Logo na primeira página, o Brasil é lembrado na fantasia musical apresentada no cabaré Tropicana, Me Voy pal Brasil (Vou para o Brasil). O mestre-de-cerimônias do cabaré descreve o Brasil como um ?coliseu de prazer e de alegria?, digno concorrente do paraíso cubano, corrompido pela ditadura de Fulgêncio Batista – contra o qual ele e seus pais lutaram – e o regime perpétuo de Fidel Castro – contra o qual escreveu até a morte.
Música e cinema sempre guiaram a literatura de Cabrera Infante desde que assumiu a herança fratricida da espécie – ou seja, a vocação humana para a traição – e passou a assinar seus textos com o pseudônimo G. Caín. Como sempre teve atração pelo simulacro, sua primeira experiência literária foi uma paródia do livro Senhor Presidente, de Miguel Angel Asturias. O escritor tinha, então, 19 anos. Morava havia sete anos em Havana, era pobre e, a exemplo do pai (jornalista, como ele), cheio do espírito revolucionário que o levou a lutar contra a ditadura de Batista. Aos 23 anos, Cabrera Infante teve sua primeira experiência com a censura política, sendo preso pelo regime pré-revolucionário sob a acusação de blasfêmia por Balada de Plomo e Yerro (1952).
Em 1960, o escritor era um dos homens importantes do novo regime. Visitara o Brasil com a comitiva de Fidel e, dois anos depois, seria nomeado adido cultural de Cuba em Bruxelas. Ficou no cargo até 1965, quando, desgostoso com os rumos da revolução cubana, passou a confrontar o ex-aliado. Retornou a Cuba para o funeral da mãe, renunciou ao cargo de diplomata e, detido, conseguiu escapar. Passou pela Espanha e, finalmente, conseguiu exilar-se na Inglaterra. Nunca mais parou de atacar o regime de Castro, criticando os intelectuais que apóiam Fidel como pessoas que insistem em ignorar o que se passou sob as mais cruéis distopias do século 20, de Hitler a Mao Tsé-tung.
Esse discurso minimalista contra Fidel é muito semelhante ao minimalismo de sua literatura, que jamais deixou de ser cubana. Seja em Vista do Amanhecer no Trópico (1974), publicado aqui pela Companhia das Letras em 1988, ou no menos conhecido Delito por Dançar o Cha-Cha-Cha (Ediouro, 1998), o propósito é o mesmo: a descrição da vida em Havana, como se Cabrera Infante jamais tivesse saído de lá, apesar de sua irrestrita admiração pela literatura e estilo de vida ingleses. De qualquer modo, ele reconheceu inúmeras vezes que sua produção literária – como a de Joyce ou Nabokov – nutria-se do exílio.
O escritor justificava essa fixação como uma tentativa de buscar um equivalente literário para a música minimalista, ?a repetição inconclusa de sons idênticos que parecem diferentes porque a memória esquece?. Era também por isso que ele preferia o Novo ao Velho Testamento: ?Sempre me fascinou que a mesma história se conte quatro vezes só com pequenas variações. Três Tristes Tigres, por exemplo, é Laurence Stern revisto, ampliado, adaptado aos trópicos e, ao mesmo tempo, tremendamente original. Cabrera Infante morreu lamentando que o pior aspecto desse exílio – que o levaria à repetição obsessiva – foi ter perdido seu ?leitor natural?, um cubano de Havana, talvez o único a entender verdadeiramente o significado dessa música para camaleões tropicais.