Morto nesta segunda-feira, 20, aos 80 anos, vítima de um câncer, o maestro italiano Claudio Abbado foi o mais perto que o mundo da música clássica chegou, na última década, de uma unanimidade. Após dirigir alguns dos mais importantes grupos internacionais – o Scala de Milão, a Ópera de Viena, a Filarmônica de Berlim -, passou os últimos anos à frente de conjuntos de jovens músicos e, em Lucerna, criou uma orquestra formada pelos principais solistas europeus e norte-americanos.
Com eles, correu a Europa em turnês e realizou gravações celebradas por público e crítica. Em especial, uma integral das sinfonias de Gustav Mahler que fez dele, acima de rivalidades e gostos pessoais, o maior maestro da atualidade.
Abbado nasceu em Milão, em 1933. Seu pai, violinista e professor do Conservatório Giuseppe Verdi, iniciou o filho na música aos 8 anos, com o violino. Mas Abbado, anos mais tarde, explicaria que, após assistir a um concerto com os noturnos de Debussy, entenderia que queria mesmo era ser maestro. Foi colega de Zubin Mehta e Daniel Barenboim na Academia Chigiana, na Itália – e, com Mehta, partiria para aulas com Hans Swarowski, em Viena, e para os cursos de verão de Tanglewood, nos EUA, onde foram alunos do brasileiro Eleazar de Carvalho.
No início dos anos 60, a vitória em um concurso lhe renderia um ano como assistente de Leonard Bernstein na Filarmônica de Nova York; dois anos depois, em 1965, chamaria atenção de Herbert Von Karajan durante um concerto em Berlim e receberia dele o convite para, em 1966, fazer sua estreia com a filarmônica na capital alemã e no Festival de Salzburgo.
Em 1968, assumiu o Scala de Milão, onde passou quase 20 anos como diretor musical e ampliou o repertório da casa, abrindo espaço para obras do século 20.
Nos anos 80, acumulou o posto no Scala com o de diretor da Orquestra Sinfônica de Londres. Da Inglaterra, partiria para Viena, onde se tornaria generealmusikdirektor. Na capital austríaca, criou o Wien Modern, festival dedicado à música contemporânea e, à frente da Staatsoper, continuou de certa forma o trabalho iniciado na Itália, fazendo conviver novas obras com leituras que ajudaram a redescobrir o grande repertório, completando uma lista de gravações de compositores como Verdi e Mozart que até hoje segue como referência incontornável.
Em 1982, foi cotado para substituir Georg Solti à frente da Sinfônica de Chicago, mas acabaria por se tornar principal regente convidado. Em 1989, a imprensa americana o colocava como nome certo para assumir a Filarmônica de Nova York. Mas, com a morte de Herbert Von Karajan, ele receberia – e aceitaria – o convite para o posto de diretor da Filarmônica de Berlim.
DESAFIO
Em certo sentido, foi a grande prova da carreira de Abbado. Como substituir Karajan, que reinara absoluto na cidade e na orquestra por mais de três décadas? Abbado ofereceu ao grupo algo que faltou a Karajan, em especial no fim da carreira: uma preocupação estilística atenta às recentes correntes de pesquisa. E, com isso, não apenas redefiniu a sonoridade do grupo no repertório francês e moderno, como fez de seu ciclo dedicado às sinfonias de Beethoven símbolo de sua contribuição à história da filarmônica e base para o que as sinfônicas tradicionais fariam com esse repertório dali em diante.
A saída de Berlim não se deu livre de incidentes. Em 2000, a orquestra fez uma turnê latino-americana e, na bagagem, trouxe rumores de que a relação entre músicos e maestro havia se deteriorado, em especial porque Abbado tinha restrições com relação a escolhas de repertório do grupo. Na ocasião, em conversa com o Estado, quando indagado se acreditava ter realizado tudo o que queria com a orquestra, ele respondeu: “Sonhos temos sempre, mas, algumas vezes, é impossível realizá-los”.
A saída de Berlim também coincidiu com a descoberta de um câncer no estômago. Muitos previram o fim da carreira do maestro. Mas o mundo musical assistiria ao renascimento de Abbado. Ele nunca mais aceitaria um posto à frente de orquestras. No lugar, passou a se dedicar a grupos criados por ele ao longo da carreira – a Mahler Chamber Orchestra, a Orquestra Jovem Gustav Mahler e Orquestra do Festival de Lucerna. Em Bolonha, criou a Orquestra Mozart.
Há alguns anos, a pianista Maria João Pires contou ao Estado que havia sido procurada por Abbado para uma nova gravação. Queria registrar Chopin. Mas o maestro lhe pediu que preparasse concertos de Mozart. “Não era o que eu tinha em mente, de forma alguma. Mas Abbado pede algo a você e não há como recusar. Você simplesmente diz sim.”
O comentário da pianista serve de testemunho do respeito conquistado pelo maestro no meio musical. A fama e as condecorações – ele se tornou senador vitalício na Itália em agosto do ano passado -, no entanto, não foram suficientes para que se evitasse, há duas semanas, que a falta de verbas levasse à interrupção das atividades da Orquestra Mozart. Deve ter sido um golpe duro para seu maestro e criador.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.