Luto

Morre, aos 75 anos, a mezzo-soprano Elena Obraztsova

Quando, em final de outubro do ano passado, a nata do canto lírico russo se reuniu no Teatro Bolshoi para homenagear a mezzo-soprano Elena Obraztsova, a mensagem parecia clara: o reconhecimento não apenas de uma grande carreira mas principalmente da influência de seu trabalho sobre as novas gerações de artistas do país. A ocasião marcava uma celebração pelos 75 anos da cantora, mas agora soa também como uma despedida: Obraztsova, informou nesta segunda-feira, 12, o governo russo, morreu na Alemanha; a causa da morte ainda não foi divulgada.

Obraztsova nasceu em Leningrado, em 1939. Durante a guerra, sua família foi forçada a se mudar. E durante a infância e a adolescência, ela se instalaria em diversas cidades, acompanhando as trocas de emprego do pai. Sua mãe não gostava muito da importância que o canto ganhava na vida da filha. Mas ela insistiu e, no começo dos anos 1960, sua estreia no Bolshoi, em uma montagem de Boris Godunov, provocou enorme sensação. Tanto que ela logo partiria em turnês com a companhia, sendo ouvida no Ocidente e transformando-se em solista de alguma das principais casas de ópera do mundo, do Metropolitan de Nova York ao Scala de Milão, passando por importantes teatros da Alemanha. No Brasil, em São Paulo, esteve duas vezes: nos anos 1990, cantou Um Baile de Máscaras, de Verdi, e, em 2007, fez recital na série Grandes Vozes.

Para o fã de ópera, o nome de Obraztsova evoca imediatamente uma performance da Carmen, de Bizet, no dia 9 de dezembro de 1978, registrada em vídeo. Na Staatsoper de Viena, ela, o tenor Plácido Domingo e o maestro Carlos Kleiber ofereceram uma interpretação da ópera que se tornaria referência, verdadeiro paradigma a partir do qual novas gerações de intérpretes seriam julgadas. A lembrança é mais do que justa. Mas, ao longo de sua carreira, Obraztsova interpretou cerca de cem papeis – e, em um universo vasto como esse, não são poucos os momentos de encantamento.

Muitos deles ao lado de Domingo: o Sansão e Dalila gravado em Paris, com Daniel Barenboin; o Werther com Riccardo Chailly em Colônia; a Cavalleria Rusticana no filme de Franco Zeffirelli; Aida e Don Carlo, em Milão, com Claudio Abbado. Há também o Trovatore regido por Herbert von Karajan e as suas interpretações da músíca de sua terra: o Alexander Nevsky com Abbado; as diferentes versões de Guerra e Paz; as diversas incursões pelo cancioneiro russo, em especial em obras de Tchaikovsky, Mussorgsky e Rachmaninoff. E, apenas porque é preciso encerrar de vez a lista, um registro que circulou no Brasil em versão pirata: um Castelo do Barba-Azul, de Bartok, com Yevgeni Nesterenko e o maestro Janos Ferencsik.

Todos esses registros servem de testemunho do timbre quente, da preocupação com a linha do canto, com a palavra. Mas, acima de tudo, havia a sensualidade. Na ópera de Saint-Saëns, por exemplo, há uma passagem em que Sansão se aproxima da morada de Dalila e reflete: apesar de si mesmo, ele está de volta àquele lugar maldito; ele quer fugir, mas não consegue. Dalila, então, o recebe. Ouça a interpretação de Obraztsova: se às mezzo-sopranos normalmente são reservados os papeis de vilãs, ouvi-la era torcer invariavelmente pela derrocada do herói.

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