São Paulo – A morte de Johnny Cash foi anunciada ontem no Hospital Batista de Nashville, nos Estados Unidos. Ele estava com 71 anos, sofria há tempos de um problema neurológico misturado com diabete, causa de complicações que acabaram derrubando o Homem de Negro, como se tornou conhecido, por causa do traje monocromático – uma espécie de assinatura, em pleno acordo com as marcas sombrias do seu estilo, mesmo quando cantava canções mais alegres, dele ou de outros.

Durante os 50 anos de carreira, cheia de tropeços e êxitos inesperados, Cash tornou-se uma legenda americana. Ganhou dez Grammys, vendeu 50 milhões de discos em todo o mundo. Vários deles são antológicos, e se inscrevem em capítulos importantes da música de seu país, viajando entre o rock, que ajudou a criar, e o folk, mas sempre sob o signo do country, onde tem seu lugar de glória na linha direta de Hank Williams.

Esse filho de um agricultor arruinado pela Depressão quase morreu de fome quando pequeno, e cresceu como um garoto do campo. Ouvia música no rádio. Nunca aprendeu a ler música, fala de pequenas e grandes tragédias sulistas, mas rompeu as barreiras sociais, regionais e nacionais. Começou tocando em feiras, mas se apresentou para presidentes e presidiários. Transformou-se num bardo, num intérprete de sonhos e frustrações da classe trabalhadora, dos marginalizados, oscilando entre a lei e a transgressão.

Enfim, sua roça de Arkansas, onde nasceu, torna-se universal. Elvis Costello e Mick Jagger se manifestaram ontem. Ambos gostavam de sua música. “I Walk the Line ou Sunday Morning Coming Down se tornaram verdadeiros hinos da gente simples”, disse Costello. “Johnny Cash me encantava como cantor e compositor”, emendou Jagger.

Inconstância

Cash gravou 1.500 composições. A oscilação, a permanência no umbral é a sua marca. Ele soube construir uma persona com suas dúvidas e dramas, conseguindo o milagre artístico da autenticidade. Na sua voz, e no violão de alcance limitado, tudo passa a ser verdade: comove e faz refletir. Embora dissesse que a receita básica é oferecer ao público o que este quer ouvir, ele é desses artistas populares que tornam nebulosa a fronteira entre a expressão maior e as imposições da indústria cultural.

Como já disseram, ele nunca matou ninguém, como o personagem de Folson Prison Blues, um dos seus clássicos, de 1954, mas quando canta, ninguém duvida que aquela história aconteceu. No fim das contas, se não com ele, com muitos outros. Para compensar, gravou também músicas religiosas. Fez filmes e um deles, The Gospel Road, acabou sendo comprado pela empresa do reverendo Billy Graham.

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