Em 2009, Jeanne Moreau veio ao Brasil para ser homenageada no Festival do Rio. Recebeu uma placa das mãos de Cacá Diegues, que a dirigira em Joanna Francesa, de 1973. “O Brasil é muito plural. Por isso, acredito que seja realmente o país do cinema”, disse. Ao longo de 65 anos de carreira, Jeanne atuou em mais de 100 filmes. Trabalhou com os maiores diretores. Nesta segunda, 31, ela morreu pacificamente em Paris, anunciou um comunicado de seu agente. Tinha 89 anos.

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Grandes filmes, grandes amizades, grandes amores. Fumante compulsiva, Jeanne acendia um cigarro no outro. Foi assim, envolta numa nuvem de fumaça, que conversou com o jornal “O Estado de S. Paulo” na casa do cônsul da França. Jeanne emoldurada pela vista do Aterro. “Mar, maré, batô”, como na música de Chico Buarque que cantava em Joanna Francesa. Filha de mãe inglesa e pai francês – uma bailarina e um barman -, Jeanne brincava que talvez tivesse virado uma atriz de língua inglesa se, na separação dos pais, tivesse ido morar na Inglaterra. O que ela tinha certeza é que seria atriz. Começou no teatro. Fez o Conservatório, a Comédie Française e o Teatro Nacional Popular (de Jean Vilar).

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No cinema, fez filmes como Ne Touchez pas Au Grisbi, de Jacques Becker, e Rainha Margot, a primeira versão, de Jean Dreville, em 1954. E então, em 1957, Louis Malle, um dos precursores da nouvelle vague, ofereceu-lhe o papel de protagonista feminina de Ascensor para o Cadafalso. Uma trama criminal. Uma mulher coopta o amante para matar o marido. Uma imagem fez história. Jeanne caminhando nos Champs Elysées, ao som do solo improvisado de Miles Davis. Embora oficialmente casada com Jean-Louis Richard, Jeanne era amante de Malle. Ele a dirigiu em seu filme seguinte, Os Amantes.

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Jeanne como uma mulher casada, e insatisfeita. Vive uma ligação de uma noite com um estranho. Na cenas-chave, ele lhe faz sexo oral e Malle fecha a câmera no rosto em êxtase da atriz. A igreja protestou. Sucesso de escândalo. Da noite para o dia, Jeanne Moreau virou uma top star. Brigitte Bardot, pop. Ela, mais intelectual. Ao repórter, confidenciou. “Vivi um dos maiores dilemas de minha vida. Tinha certeza de que, se fizesse bem a cena, Louis (Malle) se sentiria traído diante da equipe. Mas não tinha escolha. Fiz. A ligação terminou, mas não a amizade.”

Em 1960, Jeanne foi melhor atriz em Cannes por Moderato Cantabile, um roteiro de Marguerite Duras filmado por Peter Brook. Já fizera uma ponta em Os Incompreendidos, o manifesto nouvelle vague de François Truffaut, em 1958. Três anos depois, de novo com o diretor, fez Jules e Jim/Uma Mulher para Dois. Entre os dois, outro grande papel em A Noite, de Michelangelo Antonioni. De repente, no começo dos anos 1960, todos os grandes diretores queriam Jeanne Moreau. Seu corpo liberto, seu mistério, sua voz rouca. Joseph Losey (Eva), Orson Welles (O Processo), Luis Buñuel (O Diário de Uma Camareira), Jacques Demy (A Baía dos Anjos). Uma cena de Truffaut – Jeanne cantando Tourbillon em Jules e Jim – fez dela cantora. Gravou até com Bethânia – Poema dos Olhos da Amada, sobre um tema de Vinicius. Jeanne seguiu preferida pelos grandes – Truffaut, sempre (A Noiva Estava de Preto), Welles (Campanas a Medianoche e História Imortal), Losey (M. Klein), Rainer Werner Fassbinder (Querelle).

Virou diretora – Lumière e L’Adolescente. Erigida em ícone, veio ao Brasil filmar com Cacá – e, em Joanna Francesa, além de cantar o tema de Chico, cavalgou no lombo de Eliezer Gomes, ator do clássico O Assalto ao Trem Pagador, de Roberto Farias. A imagem tornou-se emblemática – símbolo de colonialismo. Na vida, era o contrário da estrela caprichosa e da agente colonial. Seguiu mítica, e amorosa. Teve uma longa ligação com o estilista Pierre Cardin, casou-se com William Friedkin. Em 2012, fez seu último filme, o último de um mestre – O Gebo e a Sombra, de Manoel de Oliveira. Bela, sedutora, intensa, Jeanne marcou uma época. Poucas atrizes se igualaram a ela, em toda a história.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.