A Metropolitan Opera House de Nova York decidiu inaugurar sua temporada 2013/2014 com uma nova montagem de “Eugene Onegin”, de Tchaikovsky. E o elenco estelar, encabeçado pela soprano Anna Netrebko e o maestro Valery Gergiev, parecia a garantia certeira de sucesso. Mas a produção acabou provocando enorme polêmica – graças ao governo russo.

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Pouco antes da estreia da montagem, o presidente Vladimir Putin promulgou um conjunto de leis banindo o que chamou de “propaganda” homossexual; e o ministro da Cultura russo, Vladimir Medinsky, resolveu banir referências à homossexualidade de Tchaikovsky em um filme sobre o compositor, que estava sendo produzido com dinheiro estatal.

Movimentos que lutam pela causa LGBT ficaram enfurecidos – e não por acaso. Tanto Netrebko quanto Gergiev haviam manifestado publicamente seu apoio à eleição de Putin e, no caso do maestro, o alinhamento se estendia a outras questões, como a defesa da intervenção de Moscou na Ucrânia. Passaram, então, a cobrar uma posição do Metropolitan sobre a questão, pedindo que a noite de estreia fosse dedicada aos cidadãos russos gays.

O Met precisou encarar um pesadelo de relações públicas. Colocou-se contra qualquer abuso aos direitos humanos, mas deixou claro que não acreditava ser papel de um teatro “lutar contra injustiças sociais”. “Deixamos que nossos artistas incorporem as suas crenças sociais e políticas em seus trabalhos, sobre o palco”, escreveu Peter Gelb, diretor do Met. Netrebko e Gergiev permaneceram em silêncio. E, na estreia, manifestantes ocuparam o Lincoln Center, enquanto, dentro do teatro, grupos gritavam contra Vladimir Putin e a legislação recém-aprovada.

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Música e política devem se misturar? O que acontece fora do palco deve determinar o modo como entendemos a produção de um artista? São questões colocadas há tempos, sem que se chegue satisfatoriamente a uma resposta capaz de abarcar toda a problemática abordada. Mas, ainda que a posição – ou omissão política – de Netrebko e Gergiev possa provocar desconforto, parece claro que os dois são símbolos de uma geração que tem reinventado o repertório russo. E a montagem de “Eugene Onegin”, que agora é lançada em DVD e Blu-Ray, é prova disso.

Gergiev, desde que assumiu o Teatro Mariinsky, em São Petersburgo, reapresentou ao Ocidente todo o grande repertório operístico russo, em leituras de exceção. Há alguns anos, foi lançada em DVD uma integral das sinfonias de Tchaikovsky que, pela riqueza quase vertiginosa de contrastes, já é referência. E a mesma preocupação dramática, a pegada teatral, mas em momento algum banal ou melodramática, é reproduzida no Onegin – e levada a um novo patamar. E o tempo – ou a urgência do sentimento humano em comparação aos ciclos mais longos da natureza – parece fundamental na concepção musical, assim como na montagem sensível, assinada pela inglesa Deborah Warner, de corte bastante tradicional.

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Na ópera, Tatiana ama Onegin, que não ama ninguém além de si mesmo. Lensky, por sua vez, ama Olga, e é capaz de matar – ou morrer – para defender este sentimento. O fascinante no texto original de Aleksander Pushkin é que, ao mesmo tempo em que cada personagem demarca uma postura clara perante a paixão, elas também se misturam em um jogo de espelhos e projeções. O amor, afinal, até mesmo na sua negação, torna-se o eixo incontornável da existência – ainda que possa significar morte.

Nessa dinâmica, pela atuação cênica ou pelo desempenho musical, fica difícil imaginar elenco mais convincente, com destaque não apenas para Netrebko e Mariusz Kwiecien (Onegin), mas também para o Lensky de Piotr Beczala. Até mesmo nas polêmicas que suscitou, esse é um “Eugene Onegin” de referência para nosso tempo.

EUGENE ONEGIN

Gravadora: Deutsche Grammophon

Preços: DVD (R$ 110)/ Blu-Ray (R$ 189)