Duas perspectivas opostas sobre o corpo humano, ?nu? e ?vestido?, são reveladas pelo olhar das artistas espanholas Isabel Munõz, fotógrafa, e Maribel Doménech, escultora. A fotógrafa centra seu foco na dimensão plástica e antropológica de corpos realçados por cicatrizes, pinturas e tatuagens feitas por povos da Etiópia. Maribel, por sua vez, sugere vestimentas que pontuam o imaginário humano em seus comportamentos sociais. O Museu Oscar Niemeyer abre ao público nesta sexta-feira (28) a mostra ?A Pele dos Filhos de Gea?.
A exposição pode ser vista até 18 de novembro, de terça a domingo, das 10h às 18h. A mostra reúne 50 fotografias, em preto e branco, exibidas em grandes painéis, a maioria de 1,50m por 1,10, selecionados pelo curador Amador Griño. As imagens foram registradas pela fotógrafa durante suas viagens à Etiópia, entre 2003 e 2006. As fotos inspiraram a série ?A Pele dos Filhos de Gea?, duas vezes premiada, em 2000 e 2005, no World Press Photo, nas categorias de reportagem artística e retrato.
A mostra foi organizada pela Sociedad Estatal para la Acción Cultural Exterior, pelo Ministério de Assuntos Exteriores e de Cooperação da Espanha e pelo Consórcio de Museus da Generalitat Valenciana, com o apoio da Embaixada da Espanha no Brasil.
Paradoxalmente, as fotos de Isabel Muñoz mostram que o corpo despido não está necessariamente nu. Os adereços de metal e miçangas e as interferências feitas na pele podem representar o mesmo papel decorativo de uma peça de roupa, como fazem os homens e as mulheres de diversas tribos do Sul da Etiópia, como os body, nyangaton e surma. Uma prática que preserva e mantém vivos os costumes dos antepassados. ?Isabel nos transmite uma visão muito pessoal e íntima das pessoas que fotografa?, afirma o curador. Griño explica que desde a antiguidade há registros das marcas corporais intencionais, sejam tatuagens ou pinturas decorativas. ?Sempre tiveram importância em todas as sociedades primitivas e nas civilizações antigas?, observa.
As escarificações são feitas pelo traumatismo intencional, por incisões ou queimaduras que produzem na pele cicatrizes e quelóides considerados adornos. Tatuagens e cicatrizes formam linhas horizontais, verticais e figuras geométricas que ressaltam os movimentos e as linhas dos músculos ou representações de animais com os quais os guerreiros têm uma identificação transcendental. ?Para mim, o corpo é um livro do que somos, um pretexto para falar do mundo dos sentimentos. Não se pode viver sem luz, sem sensualidade?, diz a fotógrafa.
O curador se mostra atento aos aspectos antropológicos da mostra. ?Um menino recém-nascido, mudo e nu, não se diferencia de um animal, mas no momento que uma tatuagem, um desenho, uma miçanga o adorna, passa a tomar parte do humano, do mundo da cultura concreta onde nasceu?, escreve Griño no catálogo da exposição. Os desenhos obtidos pelas escarificações e pinturas identificam o clã ao qual pertencem.
O oposto, a vestimenta, é o tema das obras de Maribel Doménech, filha de um escultor e de uma modista. É a partir dessa combinação que a artista, desde 1994, associa seus conhecimentos para conceber intrigantes e insinuantes figurinos, tricotados em fios elétricos e iluminados por néon. Ela diz em sua apresentação, no catálogo, que não pode separar escultura e biografia. ?Todo meu trabalho reúne processos emocionais e tecnológicos que tenho desenvolvido mediante séries de trabalhos?, diz.
Para Griño, Doménech analisa o vestido como envoltório do corpo, ?dessas formas que tanto lhe interessam e que tanto condicionam todas as suas esculturas ? segundas peles?. O curador selecionou quatro peças produzidas em 1998: ?Como uma casa cheia de luz?, o vestido branco; ?Para observar o mundo a uma certa distância?, o vestido preto; ?Armas de Mulher?, duas agulhas de tricô presas a uma tanga; e ?Sete palavras acerca da sexualidade?, sete calcinhas coloridas, de onde pendem fios que se misturam no chão.
