Está sendo uma seleção importante, a do 22.º Mix Brasil, com obras assinadas por Joaquim Pinto (o genial E Agora? Lembra-me) e diretores que sempre fizeram da diversidade sexual o seu cavalo de batalha, entre eles Bruce LeBruce. O Mix resgata figuras históricas como Peter de Rome, o vovô do pornô e nesta quarta, 19, justamente, apresenta uma das pérolas de sua seleção de 2014. É Mommy, o novo Xavier Dolan, que foi premiado em Cannes, em maio. Foi uma sacada e tanto do júri presidido por Jane Campion. Aos 83 anos, Jean-Luc Godard, que concorria com Adieu au Langage, era o diretor mais velho da competição. O tempo passa para todos e não poupou o enfant terrible da nouvelle vague.
Godard foi o grande revolucionário da linguagem e da política nos anos 1960. Madame Campion e seu júri dividiram seu prêmio especial entre o mais velho (Godard) e o mais jovem concorrente (Dolan). Um autor que se despedia da linguagem e outro que afirmava sua maturidade como cineasta. Dolan tinha 20 anos quando mostrou, fora de concurso, seu primeiro filme em Cannes – Eu Matei Minha Mãe, em 2009.
Cinco anos e quatro filmes depois, autor de uma obra consolidada – todos os seus filmes passaram em diferentes seções do maior festival do mundo -, ele finalmente chegou à competição, com Mommy. O mais jovem concorrente à Palma de Ouro. Havia gente torcendo para que o filme recebesse a Palma d’Or ou que, pelo menos, a atriz-fetiche de Dolan – Anne Dorval – recebesse o prêmio de interpretação. O júri preferiu igualar Dolan a Godard, o que foi chamado de ousadia, sacrilégio. Não foi.
É a história de um estranho triângulo, formado pela mãe e a vizinha de um garoto que sofre de TDAH, transtorno de déficit de atenção. E, pairando sobre as relações complicadas, por meio das quais as pessoas vão se descobrindo, existe uma lei selvagem do Canadá. Familiares podem internar os filhos menores sem necessidade de um diagnóstico. Nada de polícia nem serviço social. Os pais podem dispor dos filhos. Mommy passa por estágios como agressão, desespero, solidariedade, abandono. Quando tudo parece perdido, o garoto… Você não perde por esperar. Dolan trabalha com suas atrizes preferidas, a já citada Anne Dorval e Suzanne Clement. Ele próprio parece tão jovem quanto seu ator, Antoine Olivier Pilon. Quando fez o primeiro longa, Eu Matei Minha Mãe, Dolan confessou que houve um momento em que, muito jovem e revoltado contra a mãe, ele quis realmente matá-la. Este ano, ele anunciou que lhe concedeu a revanche. É seu melhor filme.
Talvez exista um significado simbólico nessa curva dramática de cinco anos. Muito jovem – excessivamente? -, Dolan queria chocar. Sua maturidade como artista o faz ver as coisas – o cinema, a família – de uma outra forma. Não virou um ‘clássico’. Mommy tem motivos de sobra para desconcertar, até irritar. O diálogo não apenas é gritado como os atores falam num dialeto – uma gíria – que fere os ouvidos. O próprio formato aumenta o desconforto, porque Dolan, como Marcelo Gomes e Cao Guimarães em O Homem das Multidões, reduz o quadro e faz da tela uma espécie de fresta pela qual o espectador ‘espia’ os dramas humanos. Tudo isso foge – bastante – ao convencional, mas é um mistério (um milagre?) que o filme seja tão bom e, no limite, apaixonante. Ao cinéfilo, só vai restar agradecer ao Mix Brasil por mais um grande filme em sua seleção do ano. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.