As notas chegam como badaladas do sino de uma igreja distante. É como se anunciassem o fim, o começo, ou uma transformação. Logo, outra guitarra se junta à primeira, novas camadas e texturas são acrescentadas e a música toma sua forma completa, ainda sem voz. São quase dois minutos de introdução em Take Me Somewhere Nice, o talvez maior grande hit da “nunca tão grande” banda escocesa Mogwai, antes que os versos cantados passem a direcionar as imagens formadas na imaginação do ouvinte. E, ainda assim, as frases de Stuart Braithwaite mais desamarram a mente e deixam, livres, as reflexões. A imprecisão bem-vinda, inundada de melancolia, já está ali no título: “Leve-me para um lugar bonito”. Qualquer lugar, não importa.

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É a partir da criação de uma espécie de “não lugar” com suas canções não lineares que o Mogwai estabeleceu seu espaço no universo da música alternativa. Um status de intocável. Em vez de transformar os sentimentos em músicas diretas, o que a banda fez, ao longo de pouco mais de 20 anos de carreira, foi criar entrelinhas. E entenda, viaje, perceba ou sonhe o que o ouvinte quiser.

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E, por isso, a experiência de uma apresentação do Mogwai (ou audição dos seus nove discos de estúdio lançados entre 1997, Mogwai Young Team, a 2017, com Every’s Country Sun) é tão solitária. A viagem é interior e, pela terceira vez na carreira, a banda providencia esse tour interno para o público brasileiro. Desta vez em apresentação única no Brasil, o grupo vai tocar em São Paulo, nesta terça, 8, no Tropical Butantã, como parte da plataforma de shows Popload Gig.

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Quando surgiu, em 1995, o Mogwai ajudou a estabelecer o que hoje se entende por “post-rock”, um subgênero do rock criado a partir da ideia de que linhas melódicas de guitarra, ancoradas pelo instrumental robusto, fosse leve ou pesado, diziam em sentimentos mais do que as palavras e o formato canção das músicas (estruturado em estrofes, pontes e refrãos). Diante de tantos movimentos musicais surgidos naquela virada de década anterior, como grunge e britpop, ambos em alta na rotação das rádios paradas de vendas de discos, o post-rock representava a renovação musical para quem buscava uma sensação musical pouco óbvia.

“Ninguém da banda achou que ficaríamos juntos por tanto tempo”, admite Barry Burns, somado ao grupo em 1998, quando o debute do Mogwai já havia saído. “Mas quando pensamos que a banda já está há tanto tempo na estrada percebemos como temos sorte. Trabalhamos muito duro, é claro. A ‘sorte’ que nos acompanha é o fato de que não temos grandes egos e não temos problemas em ir para a estrada. É ótimo perceber como funcionamos bem.”

O Mogwai encontrou sua dinâmica de viver dentro dessa bolha de “quase famosos”, da qual conseguem seu sustento, mantém a banda em ação e não sofrem com o alvoroço causado pela fama. “Não somos ricos, nem algo do tipo”, avalia Burns, “mas é interessante perceber que temos um trabalho, como qualquer um, que amamos fazer. Viajamos em classe econômica e tudo bem.”

Dentro dessa dinâmica está a forma como a banda cria suas músicas. É mais proveitoso, para os quatro, criar individualmente temas que possam vir a se tornar músicas. Cada um na sua casa – três vivem na Escócia e Burns vive na Alemanha, há oito anos. Every Country’s Sun, o nono trabalho de estúdio deles, nasceu dessa forma. “Percebemos que é mais proveitoso quando a gente inicia o processo de forma individual”, explica ele, mas se apressa a evitar mal-entendidos: “Digo, porque a gente conversa demais e acabamos sendo pouco objetivos. Trabalhar de casa nos impede de sermos preguiçosos”.

Every Country’s Sun foi o primeiro disco produzido por Dave Fridmann, uma lenda de estúdio quando se fala de discos de bandas alternativas (ele trabalhou com Weezer, Flaming Lips, Sleater-Kinney, MGMT, The Cribs, Tame Impala, entre outros), desde Rock Action, álbum de onde veio Take Me Somewhere Nice. “Queríamos muito ter voltado a trabalhar antes com Dave, mas ele acabou se tornando caro”, brinca Burns. “Falando sério: ficamos muito satisfeitos em como ele nos fez soar bem.”

O nono disco do Mogwai foi erguido, segundo o multi-instrumentista, com trechos ou temas distintos, sem que houvesse um conceito a ser seguido do início ao fim. O que construiu a uniformidade das canções, explica Burns, foi a maneira como a banda já cria em conjunto. “Temos sorte que isso funcionou. Normalmente compomos 20 músicas e selecionamos aquelas que soam melhores juntas. Desta vez, não tivemos muitas sobras. Somente duas faixas acabaram fora do corte do álbum”, conta ainda.

Ajuda o Mogwai o fato de que o grupo tem se aventurado, cada vez mais, pelas trilhas sonoras. Em 2016, saiu o documentário Seremos História?, protagonizado por gente como Leonardo DiCaprio e com temática ambiental, amparado pela trilha do Mogwai. Em agosto deste ano, nos Estados Unidos, estreia Kin, também com o acompanhamento musical feito pelos escoceses.

MOGWAI

Tropical Butantã. Av. Valdemar Ferreira, 93, 3031-0393. 3ª (8), às 21h. R$ 99 a R$ 300. Show faz parte do festival Popload Gig

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.