Não havia muito mais a ser dito naquela manhã sobre teorias e ensinamentos de Moacir Santos quando uma garota de 25 anos pediu a palavra. A voz saía trêmula naquela explosão de emoções que pareciam estar ali por um século. “Sou bailarina e vocês mudaram minha vida, desde aquele show que fizeram em São Paulo”, dizia, olhando para os músicos Mario Adnet e Zé Nogueira. “Conheci Moacir Santos graças a vocês e agora vou montar um espetáculo de dança só com músicas dele.”

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Bianca Morena foi só o primeiro dominó a cair. As pessoas que até então se seguravam diante de uma mesa de especialistas em Moacir Santos pediam o microfone para quebrar o protocolo e fazer uma inesperada e comovente sessão de testemunhos. Choravam ao contar histórias que viveram ao lado do maestro.

Uma espécie de intensivo Moacir Santos se deu no Teatro Santa Isabel, no Recife, sexta, 2, e sábado, 3, em duas manhãs de mesas redondas, duas noites de shows e 55 temas de Moacir tocados por 51 músicos do Brasil e dos Estados Unidos, experiência inédita desde a morte do músico, em julho de 2006. Criado pela flautista e produtora Andrea Ernest Dias, que conseguiu patrocínio do BNDES para erguer o projeto de revalorização mais importante com relação à obra do maestro desde o lançamento de Ouro Negro, álbum de 2001, o Festival Moacir Santos ganhou dimensões históricas ao revelar temas e passagens desconhecidas de um dos maiores nomes da composição brasileira. Dias em que Moacir foi detalhado em quatro dimensões, colocado sob arranjos e linguagens diferentes que reforçaram a universalidade de sua obra e um mistério que o faz ainda sombra do monumento que deve ser em seu País quando de fato for descoberto.

Nas mãos do pianista californiano Mark Levine e seu quinteto, Moacir foi colocado nos padrões do jazz californiano com o qual teve contato a partir de 1964, quando foi morar em Pasadena, nos EUA, e passou a rever sua forma de escrever levando em conta os traços dos músicos norte-americanos. “O principal objetivo da minha vida é divulgar a obra de Moacir”, disse Levine. Seus arranjos de Coisa N° 10 levam ao limite suas intenções em valorizar o acento afro nas divisões do maestro, que retornam em outros momentos sobretudo na percussão de Michaelle Goerlitz. “A música dele é africana”, gosta de repetir. Na segunda parte da noite, a Banda Ouro Negro, projeto que desde 2001 divulga a obra de Moacir, fez a mais impactante apresentação do festival, com 18 temas arranjados por Adnet e Nogueira, que respeitam a formação de 15 músicos proposta por Moacir.

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Sábado foi ocupado primeiro pelo Quarteto Coisas, formado especialmente para o festival, com o pianista Paulo Braga, o bandolinista Marco Cesar, a flautista Andrea Ernest Dias e o bandolinista Maurício Carrilho, mentor da proposta de ir aos choros pouco explorados de Moacir, como Flores e Não Há Dúvida, e compor uma série de obras ‘moacirsantosianas’ inspiradas em sua linguagem. Um passeio por um dos primeiros universos de Moacir, no qual começou a ter seus primeiros reconhecimentos. O festival terminou com a The Claire Fischer Big Band, orquestra de arranjos estonteantes assinados por Brent Fischer, filho do lendário arranjador Claire (morto em 2012). Suas reverências a Moacir Santos em temas como Coisa N°2 e em sua inédita adaptação de Coisa N° 8, que com sua nova divisão virou o tema Solidão, definiram a universalidade de uma obra que começa a chegar onde sempre mereceu estar.

O REPÓRTER VIAJOU A CONVITE DO FESTIVAL

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As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.