A mudança de comando no setor de investimento público às produções cinematográficas fez o primeiro ruído de 2018 no meio cultural. A saída de Débora Ivanov da diretoria interina da Ancine para a entrada de Christian de Castro Oliveira, oficializada nesta quinta, 4, pelo presidente Michel Temer, buscou solucionar, segundo o próprio ministro, um descontentamento com a então diretora-geral.

continua após a publicidade

À reportagem, o ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, preferiu não fazer declarações contra Débora e exaltar a nomeação de Christian. “É uma troca positiva para o setor. O Christian conhece bem o mercado, tem competência comprovada na área e amplo apoio do setor”, afirmou o ministro, que ressaltou que recebeu diversos documentos de entidades da área manifestando apoio à troca.

continua após a publicidade

Nesta entrevista, o ministro fala de suas motivações para fazer a troca e também do projeto de lei que será votado em fevereiro, estabelecendo a classificação etária indicativa para centros culturais e museus, e comenta sobre o recorde de captação alcançado em um mês de mudanças na Lei Rouanet.

continua após a publicidade

Houve desgaste entre o senhor e Débora Ivanov com relação aos direcionamentos da Ancine?

O que posso dizer de críticas que tenho é o seguinte: várias resoluções foram aprovadas e não foram implementadas ao longo desses últimos cinco meses. Meu ponto de crítica com relação à presidente interina é esse. Havíamos combinado que implantaríamos mudanças no FSA (Fundo Setorial do Audiovisual) que não ocorreram. A mudança de comando não foi política nem pessoal. Temos agora apenas 12 meses pela frente e precisamos de resultados.

O que podemos esperar para o orçamento do MinC para 2018?

Pela lei orçamentária, temos R$ 550 milhões (fora o custeio e a folha salarial, que ficam em aproximadamente R$ 2 bilhões). Mas já enviei ao presidente Michel Temer um pleito para aumentar esse valor até R$ 700 milhões. Em um evento recente, o presidente afirmou que iria acatar o pleito.

Quais são as prioridades?

Uma delas é o patrimônio histórico. Temos 60 obras em andamento e mais de 200 na fila de espera. A prioridade é terminar o que já está em andamento e, na medida do possível, começar novas.

E em São Paulo?

Firmamos uma parceria com a USP para a restauração do Museu do Ipiranga para a celebração dos 200 anos da Independência (em 2022). Para que esteja tudo pronto na data, temos que começar agora. E é uma obra complexa, que exige uma quantidade grande de recursos, restauração, construção de novos espaços. São R$ 110 milhões em cinco anos. Ao longo de todo o mês de janeiro, tenho reuniões com o reitor da USP e também com patrocinadores estatais e privados para buscar apoio ao projeto, que já está aprovado pelo Iphan e pela Lei Rouanet.

O que haverá de fomento para este ano?

Além das 60 obras, vamos inaugurar 100 centros culturais em cidades pequenas e médias, uma parceria com os municípios. Também teremos um programa de fomento para expressões artísticas, artes cênicas, visuais e música, que não tivemos nos últimos anos como temos para o audiovisual. E o nosso terceiro front, digamos assim, é o lançamento do edital de culturas populares, o programa que substituiu o Cultura Viva.

A classificação indicativa para exposições de artes plásticas sai este ano? O mundo das artes não a vê com bons olhos…

Preparamos a minuta do projeto e já entreguei à Presidência. Está em análise e, em seguida, deve ser remetida ao Congresso como Medida Provisória ou Projeto de Lei. O projeto de classificação indicativa deve ser votado na volta do Congresso, em fevereiro. Ele estende a classificação indicativa que já existe a exposições e centros culturais.

Não seria um retrocesso em termos de liberdade de expressão?

Não. Acho necessário e até uma forma de proteção da liberdade de expressão. As pessoas serão informadas sobre o conteúdo que está sendo apresentado e podem tomar uma decisão informada sobre se querem assistir, se querem deixar os filhos assistirem. Acho que, na verdade, ela protege a liberdade de expressão. Porque as instituições vão poder fazer o que quiser, terão liberdade de programação, mas terão que avisar as pessoas para que elas tomem uma decisão. Na verdade, é uma medida preventiva, para evitar controvérsias e polêmicas; com ela, ninguém vai poder dizer que não sabia o que estava sendo exposto. A medida conta com grande apoio de museus e centros culturais. Muitos, como o Masp, já estão até implementando projetos de autoclassificação.

Mas como seriam definidos os parâmetros dessa classificação? Um Congresso conservador não estabeleceria parâmetros excessivamente rígidos?

O nosso projeto estabelece a classificação indicativa para exposições, centros culturais e museus com critérios e faixas etárias estabelecidas pelo Ministério da Justiça, exatamente como já acontece hoje no cinema, na televisão, nos games. Já temos um paradigma, estaríamos apenas reproduzindo-o. E funciona bem nessas áreas. Agora, claro, tudo depende das emendas que serão feitas ao nosso projeto. Se os parâmetros forem definidos em lei, aí seria uma discussão interminável e ficaria tudo muito engessado. Com o Ministério da Justiça à frente disso, fica mais flexível, os critérios evoluem junto com a sociedade. Porque ao longo do tempo, os costumes evoluem, a maneira de ser, de pensar. Esse é o espírito da minuta que preparamos.

Fala-se em censura prévia…

A classificação veio por causa das polêmicas. Mas acho que é um pouco assim mesmo que as coisas evoluem. A gente não consegue antecipar todas as questões, problemas e controvérsias; as polêmicas mostraram uma lacuna, uma necessidade de se ter um sistema para as exposições. Acho que é assim mesmo que as coisas evoluem e acho que é bastante civilizado. Não existe censura prévia no Brasil, a Constituição é bem clara. Trazer o debate para o terreno das leis e das normas é bom para acalmar os ânimos dos grupos de pressão que tentam impor suas visões de mundo, sejam elas o “liberou geral” ou o “não pode nada”.

Como avalia o impacto inicial das mudanças na Lei Rouanet, em vigor desde dezembro?

As mudanças estão valendo desde a Instrução Normativa (IN), e têm efeito retroativo; ou seja, projetos já em andamento passam a funcionar segundo as novas regras. O impacto é positivo: só em dezembro, conseguimos captar R$ 620 milhões para projetos; estou falando de recursos efetivamente captados, é um recorde histórico para o mês de dezembro em 26 anos de existência da Lei Rouanet.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.