O diretor Luiz Fernando Carvalho é um autêntico sociólogo da teledramaturgia – depois de analisar o sistema de castas durante o período do Império em Os Maias e de decifrar o universo labiríntico e encantado de Ariano Suassuna em Pedra do Reino, Carvalho revelou o mundo ao mesmo tempo colorido e sombrio da zona norte carioca em Suburbia, minissérie que foi exibida pela Globo em 2012 e que chega agora em DVD em um conjunto de dois discos que trazem uma versão com mais de 6 de duração, inclusive com cenas extras e inéditas.
Fruto de um trabalho conjunto entre Carvalho e o escrito Paulo Lins, Suburbia conta a história de amor entre Conceição e Cleiton. Ela chegou ao Rio de Janeiro depois de fugir da carvoaria onde trabalhava com a família, em Minas Gerais. Na capital fluminense, trabalha como empregada até conhecer Cleiton, jovem morador do bairro de Madureira, que logo se revela um bom trabalhador mas também um revoltado, vivendo na fronteira entre o bem e o mal.
Enquanto eles se apaixonam, ela vira estrela dos bailes funk sem perder sua pureza e a integridade. É nesse jogo de oposições que Carvalho constrói uma das mais originais minisséries da televisão. Com uma trilha sonora marcada pelo funk, a história se equilibra em uma dúvida crucial, que marca a trajetória de todos seus personagens: como manter a noção de justiça e os princípios éticos e morais em uma era marcada por violência, desigualdades e decadência de valores?
“Se os subúrbios norte-americanos encenaram o paraíso da classe média, que calculava a felicidade pela métrica fetichista do consumo, os subúrbios cariocas armam palcos para múltiplas utopias, das mais torpes e redundantes às mais belas e generosas”, observa o antropólogo Luiz Eduardo Soares, em texto presente no encarte do DVD. “Nossos subúrbios entram em cena irradiando a voltagem indomesticável da força vital de seres humanos individuais e incomparáveis, nas tramas complexas de suas relações.”
Para atingir tal grau de veracidade, Carvalho montou um elenco formado por atores novos, escolhidos no AfroReggae, Nós do Morro e da Companhia dos Comuns. Escolheu ainda potenciais artistas em pesquisas de campo, na rua, buscando talentos em estado puro. O diretor também convidou Haroldo Costa, um dos principais nomes do carnaval carioca, para integrar o elenco, em bela participação.
“No cerne do meu ofício, está a oportunidade de lidar com o humano, com gentes dos mais diferentes pontos de origem”, comenta Carvalho, em texto também publicado no encarte do DVD. “Procuro me corresponder com as sensações e os sentimentos de todos, me fazendo cúmplice do mundo de cada um. O elenco de Suburbia em ensinou como evitar a caricatura, o pitoresco, a paisagem humana pintada de um ponto de vista puramente externo, excludente e falso. Estes ensinamentos são em si um gesto político fundamental.”
É o que explica, em termos, a opção do diretor por um estilo de filmar que ainda não havia experimentado: um toque mais realista e documental, aliado ao já tradicional apuro refinado nos movimentos de câmera.
“Suburbia é uma princesa virgem para a televisão brasileira no que envolve a teledramaturgia”, comenta o crítico Rodrigo Fonseca, autor de outro texto do encarte. “A série ofereceu uma alternativa à cartilha dos ‘favela movies’ que tomou o audiovisual brasileiro de assalto chegando também aos clichês televisivos. Após quase uma década, era chegada a hora de partir para um exercício lúdico de rememorar a identidade sensorial da periferia. Para isso, era necessário romper com o discurso da ficção oficial, viciada hoje em um discurso de Classe C, uma realidade virtual movida pelo consumo e retratada pela chave da caricatura e buscar a dramaturgia genuína, sem prosaísmos.”
De fato, Suburbia representa um novo marco na carreira de Carvalho, que agora desconstroi tudo o que havia feito antes, preparando-se para novas ousadias estética,s. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.