Milton Nascimento e Jobim Trio juntos

Tom Jobim costumava dizer que Milton Nascimento era o único cantor capaz de alcançar o tom original de suas composições. Reza uma lenda que foi na mineira Diamantina onde João Gilberto ensaiou exaustivamente a batida de violão que seria determinante para o nascimento da bossa nova, no Rio de Janeiro. Nada mais apropriado, portanto, que o mais mineiro dos cariocas, Milton Nascimento, se una ao Jobim Trio (composto por Paulo e Daniel Jobim, filho e neto do maestro soberano, respectivamente, e Paulo Braga) para celebrar o cinqüentenário do gênero com o lançamento do cd Novas Bossas. O disco é a primeira produção inédita da Nascimento Música, com distribuição da EMI.

A semente de Novas Bossas começou a ser germinada no ano passado, em função das celebrações dos 80 anos de Tom Jobim. Milton Nascimento e o Jobim Trio se apresentaram juntos no Jardim Botânico, no Rio de Janeiro, em um concerto em homenagem ao maestro soberano. O evento foi, na verdade, um reencontro de velhos conhecidos. Milton era amigo de Tom Jobim que, certa vez, escreveu um texto chamando-o de sua ?pantera verdadeira? e seu ?uirapuru verdadeiro?. Já Paulo Jobim participou da turnê de Clube da Esquina 2 e durante as viagens carregava consigo seu filho Daniel. ?Quando completei três anos, Milton dedicou um show para mim?, relembra Daniel.

A relação de Milton com o mineiro legítimo Paulo Braga, terceiro integrante do Jobim Trio, remonta ao início da carreira dos dois. ?Começamos juntos na década de 60, no Berimbau Trio, ao lado de Wagner Tiso. Precisávamos de um baixista e Milton, que já era um exímio violonista, em três meses passou a tocar baixo melhor que seu professor?, recorda Paulo Braga.

Novas Bossas é mais uma página dessa história que já soma mais de quatro décadas. Nasceu sem pressa, em clima de reunião de amigos. ?Nossa relação é tão fantástica que parece que tocamos juntos a vida inteira?, afirma Milton. ?Inicialmente faríamos a pré-produção no estúdio na casa do Milton e depois gravaríamos em outro local, mas sentimos tanta liberdade e prazer que não saímos mais da casa dele?, brinca Daniel. O disco conta também com a participação do baixista Rodrigo Villa e co-produção de Chico Neves.

A primeira canção gravada foi Samba do avião (Tom Jobim), que entrou na trilha da novela Paraíso Tropical. Daniel Jobim explica que o repertório foi surgindo espontaneamente, em tardes de música e memória. ?Cada dia relembrávamos uma história. A impressão que tenho é que nunca fiquei afastado do Milton, tal a cumplicidade que mantemos até hoje?, afirma Paulo Braga.

?Milton queria fazer várias coisas do meu pai?, conta Paulo Jobim. Daniel sugeriu a inclusão de Tudo que você podia ser (Lô Borges/Márcio Borges). ?Sempre fui apaixonado por essa música e achava que tinha a ver com o clima do disco. Milton adorou a sugestão, porque só a havia gravado no Clube da Esquina e nunca mais a cantara, nem mesmo em shows?. As duas outras canções do repertório de Milton foram idéias de Paulo Jobim. ?Tocando no estúdio me deu vontade de relembrar Cais (Milton Nascimento/Ronaldo Borges) e sugeri ainda Tarde (Milton Nascimento/Márcio Borges), que tem uma harmonia linda e me traz várias lembranças da época em que Milton veio para o Rio?.

?Achei ótimo poder tocar minhas músicas de uma maneira diferente?, acrescenta Milton.

Milton estava com vontade de gravar um samba. Daniel Jobim lembrou de Velho riacho (Tom Jobim). Milton queria uma canção em fá. Daniel trouxe Esperança perdida (Tom Jobim/Billy Blanco). Milton lembrou das melodias de Vinicius e ficou com vontade de gravá-las. A escolhida foi Medo de amar, com letra e música do poetinha. Milton acatou a sugestão de uma amiga e quis gravar Trem de ferro, poema de Manuel Bandeira musicado por Tom Jobim. E assim o disco foi sendo costurado, de forma absolutamente intuitiva.

Os arranjos também nasceram espontaneamente. ?Íamos tocando, tocando, cada vez de uma maneira diferente, sem nenhuma preocupação. Às vezes, terminávamos uma música e no outro dia sentíamos vontade de voltar a ela. Foi um processo tão natural que agora que iremos sair em turnê estamos tendo que relembrar tudo, porque nem as partituras escrevemos?, explica Paulo Braga.

?Revisitar esse repertório, que é um velho conhecido meu, ao lado do Milton, nos trouxe um grande frescor?, pontua Paulo Jobim. Para Daniel Jobim, ?um lado inspira o outro. E quando o Milton canta, a música renasce?. Paulo Braga sente que está tocando de uma maneira diferente, nova. ?Foi um prazer imenso, me senti rejuvenescido. O próprio Milton me confidenciou há alguns dias que é como se ele estivesse começando a cantar agora, como nos velhos tempos de crooner?.

O clássico maior da bossa nova, Chega de saudade (Tom Jobim/Vinicius de Moraes), não ficou de fora do repertório. Ressurge, porém, acompanhado pelo barulho do trem mineiro, sugestão de Daniel Jobim. A velha Maria Fumaça está apenas refazendo o caminho Minas-Rio. Isso é Novas Bossas. Isso é muito natural. 

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