Um carioca da gema será responsável pela recriação de uma deliciosa parte da história de São Paulo que praticamente se perdeu – Miguel Falabella dirige o musical nacional Memórias de um Gigolô, que estreia no Teatro Procópio Ferreira no dia 10 de julho, com letras criadas por ele e melodias de Josimar Carneiro. Ambientado nos anos 1930, o espetáculo é baseado no romance de Marcos Rey, grande autor e profundo conhecedor das glórias e misérias da cidade. “Sempre fui apaixonado por esse livro, desde que o li pela primeira vez na década de 1970”, conta Falabella. “Meu fascínio não é apenas pelos tipos retratados, mas pela forma como Rey transforma São Paulo também em um importante personagem.”

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Lançado em 1968, Memórias de um Gigolô é a crônica da face noturna da capital paulista, muito diferente da exuberância exibida ao longo do dia. Aqui, Rey recupera os tempos áureos da boemia, na qual tipos ordinários se movimentam em ambientes escuros, à caça de paixões incontroláveis que os levam, muitas vezes, a cômicas situações.

A história envolve um triângulo amoroso que se desenvolve no momento em que São Paulo intensifica sua industrialização. Mariano (Leonardo Miggiorin) é um órfão criado em meio a trambiques da cartomante Madame Antonieta (Mariana Baltar), a famosa “La Buena Dicha”. Com ela, o garoto aprende principalmente a se livrar de enrascadas. Com a morte da cartomante, Mariano é adotado por Madame Iara (Alessandra Verney), a dona do bordel a quem ele passa a tratar de madrinha e que o apresenta ao mundo do bas-fonds, habitado por vigaristas, coronéis, otários, tiras, alcaguetes e ricos decadentes, que convivem em um ambiente esfumaçado e regado a álcool.

Lá, Mariano conhece as duas figuras que irão mudar sua vida: sua eterna paixão, Guadalupe (Mariana Rios), e Esmeraldo (Marcelo Serrado), também gigolô, amante da boa vida, sempre de sapato de duas cores e abotoaduras de ouro falso, enfim, o tal valete de espadas, que Madame Antonieta previu que cruzaria seu caminho. Entre os três, surge um despudorado jogo de sedução.

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“São três pessoas que se completam e praticamente não vivem um sem o outro, mesmo brigando”, comenta Leonardo Miggiorin, que estreia em musicais para o público adulto. “Mariano é a boa alma, não esconde sua fragilidade e, como órfão, vive em eterna busca de uma família, que pode ser aquele triângulo.” “E isso pode ser notado no abraço que ele e Esmeraldo trocam no final do espetáculo”, completa Marcelo Serrado, em seu primeiro musical.

A dupla se preparou com afinco para o espetáculo, um dos primeiros montados no Brasil com canções especialmente criadas. Miggiorin, além das tradicionais aulas de canto, buscou detalhes na obra de Marcos Rey para descobrir que Mariano é um homem doce e apaixonado. “Desde garoto, ele conviveu com diversos tipos de pessoas, o que lhe deu traquejo para se transformar em um gigolô das palavras”, conta. “Graças à sua lábia, ele consegue tudo o que quer, mas o maior problema surge quando se apaixona por Guadalupe, a amada de Esmeraldo.”

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Detalhista, Miggiorin moldou seu personagem a partir de filmes das décadas de 1930, 40 e 50, que assistiu com interesse. “Descobri em Escravos do Desejo (longa de 1934, dirigido por John Cromwell e estrelado por Bette Davis) meu tipo ideal: o personagem vivido por Leslie Howard, um médico que tem um defeito físico e se apaixona por uma garçonete amoral, que o despreza e só o procura depois de enfrentar muitos problemas, quando está abandonada e grávida.”

Já Serrado fez aulas de canto durante mais de seis meses até se sentir confortável para participar de um musical. “Sempre quis trabalhar com o Miguel, mas sei de seu rigor. Assim, foi um alívio quando ele, ao me ouvir cantar pela primeira vez, disse que eu não lhe daria trabalho”, diverte-se.

Além de adequar a belíssima voz ao personagem Guadalupe, Mariana Rios também se adequou à máxima de Falabella: além de cantar bem, é preciso saber atuar. Assim, ao poucos, foi descobrindo o perfil do seu papel. “Ela é uma mulher encantadora, mas não sabe quem escolher ou mesmo qual será seu destino”, observa. “Ao mesmo tempo, Guadalupe exibe o olhar perdido de alguém sofrido.”

“A história se desenrola em um limbo, para onde foi aquela São Paulo dos anos 1930, engolida pelo concreto”, conta Falabella. “No final, descobre-se que os personagens estão no cabaré Império, que nunca fechou.” Composto por xotes, chorinhos e marchinhas (que Falabella criou durante suas corridas matinais ao redor da Lagoa Rodrigo de Freitas), o musical resgata a importante obra de Marcos Rey.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.