Dercy, batizada Dolores Gonçalves Costa, nasceu em Santa Maria Madalena, uma pequena cidade na região serrana do Rio de Janeiro. A vida inteira carregou o peso da rejeição materna e dos maus tratos do pai. Era o trabalho como bilheteira no cinema da cidade que permitia a ela vislumbrar um futuro longe dali. Fã de Theda Bara e Pola Negri, Dolores sonhava ser artista de Hollywood, apesar de não ter ideia de onde ficava este lugar.
A vizinhança estranhava o corte de cabelo e a maquiagem que a menina ostentava. Mas ela não se importava com os olhares de reprovação. Irreverente, ousada e sonhadora, enfrentou o mundo com sua língua afiada. Ela não era de engolir sapos, nunca foi!
Dolores entendia que Madalena não era seu lugar, e queria ir embora, mas não sabia como. A cidade era pequena demais para os seus sonhos, que ultrapassavam o oceano. Foi quando apareceu a companhia teatral Maria de Castro. Dolores ficou encantada com o ator bonitão Eugênio Pascoal, e, ao vê-lo, decidiu chamar sua atenção cantando bem alto no meio da rua. O ator foi cumprimentá-la e, sem saber, disse a frase que mudaria seu rumo: “Você devia ser artista!”. Aquilo era o que a jovem precisava ouvir. Dolores não pensou duas vezes, arrumou as malas e embarcou no trem junto com o ator e a companhia de teatro. Pascoal não entendeu nada quando a viu, ali sentada ao lado dele, apenas sorriu.
Foi nos caminhos do trem que Dolores se apaixonou por teatro e fez dele seu refúgio. Monta cenário, abre cortina. Desmonta cenário, fecha cortina. Aplausos.
Inspirada na ex-primeira-dama Darcy Vargas, Dolores resolveu abandonar seu nome de batismo e decidiu que seria daquele dia em diante: Dercy Gonçalves. Assim começa história de uma das maiores atrizes do Brasil, que conquistou o público e construiu uma carreira sólida ao longo de 86 anos. Quem narra a saga é a escritora e novelista Maria Adelaide Amaral, que também assinou a biografia da atriz, que faleceu aos 101 anos, em 19 de julho de 2008.
Para a autora, o desejo de fazer a microssérie – que estreia amanhã na Globo – surgiu da amizade e do respeito em memória da amiga, que aparece com ela na foto. “Essa história sempre ficou na minha cabeça. Primeiro, eu tinha receio de que ela fosse esquecida. Segundo, não queria que ela passasse para a história como aquela velha que só falava palavrão. Queria mostrar a Dercy que quase ninguém conhece, a de verdade, explica a escritora.