Atores em início de carreira topam qualquer trabalho. Figuração em filmes e novelas, participação em humorísticos, papéis bizarros em peças mais esquisitas ainda. Afinal, quando nada no currículo parece mais relevante do que aquele terceiro lugar no concurso de poemas do colégio, o melhor é não deixar nenhuma oportunidade passar em branco. Mas quando os anos se passam e a carreira do ator finalmente deslancha, os “micos” do passado ficam providencialmente esquecidos no limbo da memória. Até serem resgatados por algum curioso de plantão.
“Nossa, nem me lembrava mais disso!” é a frase mais usada – quase em tom de desculpa – por atores como Ney Latorraca, Cláudia Raia, Betty Lago, Zezé Motta e Alexandre Borges, ao revelarem detalhes surpreendentes sobre o início de suas carreiras.
Zezé Motta, por exemplo, já atuou em 15 novelas e cerca de 30 filmes. Mas não esquece o primeiro longa que tem seu nome nos créditos. No filme Em Cada Coração Um Punhal, ela sequer falava. Fazia apenas uma participação como a mulher de um bandido, que tem o seu barraco invadido pela polícia. Na única cena em que aparecia, pintava as unhas, nua sobre a cama. “Eu sempre aparecia nua nos filmes daquela época”, comenta, entre risos. Na seqüência, Zezé protagonizava um “strip-tease” às avessas. “A polícia dizia: ?Se manda!?. Eu me vestia correndo e ia embora. Só isso… Mas foi um filme interessante. Entra no meu currículo!”, garante a eterna Xica da Silva que, na época, namorava o diretor do filme, Sebastião de Souza. “Acho que foi uma homenagem. Quando o conheci o roteiro já estava pronto, mas ele me encaixou”, entrega a atriz.
Olha eu alí!
A estréia de Ney Latorraca na televisão foi bem mais tímida. Ator de teatro, começou como figurante em Alô Doçura, exibida pela Tupi em 1954. Ele “aparecia” requebrando-se no fundo de um baile, ao som de um velho rock? n roll. Já em A Moça Que Veio de Longe, de 1964, Ney limitou-se a mostrar as mãos numa cena. “Eu só ajudava a Rosamaria Murtinho a descer do carro”, conta. Em 1971, porém, o ator usou da criatividade para ganhar algum destaque na minissérie Dom Camilo E Os Cabeludos, exibida na Tupi. “Como não tinha fala, inventei um barulho estranho com a boca. Aí começaram a me chamar de Besouro e ganhei até umas ceninhas”, esnoba, sempre bem-humorado.
Mas nem é preciso ter tantos anos de estrada assim para enumerar trabalhos de que ninguém se lembra. Que o digam Andréa Beltrão e Betty Lago. Antes de virarem protagonistas na Globo, as duas atrizes fizeram lá suas “aparições-relâmpago” no cinema. Andréa, por exemplo, aparece nos créditos de Bete Balanço, longa de Lael Rodrigues, protagonizado por Débora Bloch, em 1984. O difícil, contudo, é encontrá-la no filme. Já Betty ainda vivia seus tempos de “maneca” quando o cineasta Bruno Barreto a convidou para uma “participação afetiva” em Dona Flor e Seus Dois Maridos, de 1976. Ela viveu uma das prostitutas do bordel freqüentado por Vadinho, personagem de José Wilker. “Era uma figuração de luxo. Aparecia tão rápido que, quando dizia: ?Olha eu ali!?, já tinha passado a minha cena!”, diverte-se a atriz, que atualmente interpreta a poderosa Mercedes da novela Kubanacan.
Apesar da altura – 1,93 m – e dos belos olhos verdes, Thiago Lacerda inacreditavelmente conseguiu passar quase dois anos no elenco de apoio de Malhação sem roubar a cena. O período, entre 1995 e 1997, foi encarado pelo ator como uma espécie de estágio. “Eu era muito tímido. Se tentasse algo maior, poderia me queimar. Comecei com um ?Bom dia? aqui, um ?Até logo? ali e fui me soltando”, conta o ator, com um sorriso. Timidez, porém, nunca foi problema para Alexandre Borges. O ator chegou a chorar na frente de um diretor quando ouviu que não havia papel para ele numa peça. A reação lhe rendeu uma ponta sem falas e Alexandre passou uma temporada inteira entrando no palco apenas para segurar uma faixa. “Fiquei feliz só de estar no elenco. Tinha saído de Santos, onde nasci, para tentar a carreira em São Paulo e queria continuar na batalha”, lembra.
Lembranças para esquecer
Alguns atores gostariam de apagar do currículo certos trabalhos. Fábio Assunção, por exemplo, faz até que não é com ele quando lembram de Blue Jeans, por exemplo. Dirigido por Wolf Maya, o musical foi um sucesso nos anos 80 – muito mais pelos atributos físicos dos rapazes musculosos do que pelas qualidades dramatúrgicas do elenco. Do mesmo celeiro, saíram Alexandre Frota, Maurício Mattar, Marcos Pasquim e Danton Mello.
Cláudia Raia debutou na televisão no início dos anos 80, no programa Viva O Gordo, de Jô Soares. No primeiro quadro em que participou no humorístico – o Tem Que Malhar – ela aparecia correndo com roupas de ycra coloridas e exibindo a sempre elogiada boa forma.
O veterano Tony Ramos conta com orgulho que começou a carreira de ator como figurante de novelas. Outros que já ganharam o singelo cachê da figuração foram Helena Ranaldi e Rodrigo Santoro. Os três estão atualmente na novela Mulheres Apaixonadas, de Manoel Carlos.