Embora fosse o filme mais estrelado nos quadros de cotações do 65.º Festival de Cannes, “Amour/Amor”, de Michael Haneke, estava longe de ser uma unanimidade. Por isso mesmo, antes de anunciar a Palma de Ouro para o novo Haneke – a segunda do diretor, após “A Fita Branca” -, o presidente do júri, o ator e diretor italiano Nanni Moretti, ressaltou, ontem à noite, a extraordinária contribuição dos atores.
E aí, em seu reconhecimento ao que Jean-Louis Trintignant e Emmanuelle Riva acrescentam ao filme, ele construiu a humanidade e a universalidade de “Amor”. O próprio Trintignant deu mais uma contribuição e, num discurso emocionado e emocionante, disse a frase que vai ficar dessa noite de encerramento: “Vamos tentar ser felizes, nem que seja só para dar o exemplo.”
Nunca houve, pelo menos em tempos recentes, uma coletiva do júri tão rica e elucidativa. Moretti foi logo esclarecendo que nenhuma escolha do júri foi unânime. Alguns filmes dividiram particularmente os jurados, mas tiveram defensores ardorosos. O italiano “Reality”, de Matteo Garrone, vencedor do grande prêmio, o segundo em importância, após a Palma, e o de direção para o mexicano Carlos Reygadas, de “Post Tenebras Lux”.
Houve jornalistas que se queixaram da ausência de “Holy Motors”, do francês Leos Carax, entre os premiados. Moretti disse que, apesar das diferenças entre todos os filmes, havia três que, de certa forma, se inscreviam na mesma tendência de investigação – os de Reygadas e Carax e o do austríaco Ulrich Seidl, “Paradise: Love”. “O júri optou pelo de Reygadas. Foi o que mais permaneceu conosco.”
Nenhuma explicação foi dada para as ausências de David Cronenberg (“Cosmopólis”) e Walter Salles (“On the Road/Na Estrada”) da lista de premiados. “Gostaria de ter premiado os atores de Haneke, Trintignant e (Emmanuelle) Riva, mas o regulamento impede que os vencedores da Palma, do grande prêmio e do de direção acumulem troféus”, esclareceu o presidente.
Aos que cobravam a ausência de norte-americanos, Alexander Payne, um dos jurados, disse que, nesta seleção, nenhum filme se destacou a ponto de merecer ganhar, mas isso não representa um parti pris contra Hollywood. “Gosto de filmes franceses, mas também não premiamos nenhum”, acrescentou Jean-Paul Gaultier.
O Palmarès teve um ideólogo, revelou M. le président. Foi o cineasta haitiano Raoul Peck. Ele aproveitou a deixa para fazer a defesa da perturbação que “Post Tenebras Lux” causou em muitos jurados. Moretti foi cobrado pelo grande prêmio para Garrone – teria sido patriotada entre italianos. “O que nos convenceu, a par de sua força satírica, foi a humanidade dos personagens.”
Ken Loach foi outra escolha que parece ter sido bancada pelo presidente do júri. “The Angel’s Share é uma comédia muito humana – e divertida”, definiu. O filme recebeu justamente o prêmio do júri. No que pode ter sido um recado para David Cronenberg, Moretti acrescentou: “Muitos diretores nos pareceram mais comprometidos com o próprio estilo do que em dar testemunhos sobre a realidade ou seus personagens.”
O romeno Christian Mungiu, que já venceu a Palma por “4 Meses, 3 Semanas e 2 Dias”, foi o único a acumular prêmios no encerramento. Ganhou o de roteiro e o de interpretação feminina, divido entre as duas excepcionais atrizes, Cristina Flutur e Cosmina Stratan, de seu belíssimo “Beyond the Hills”, ao qual outro júri poderia ter atribuído a Palma. O de melhor ator foi para Mads Mikkelsen e este está sendo um ano especial para o vilão de “Cassino Royale”. Em Berlim, em fevereiro, outro filme que ele fez na Dinamarca, “A Royal Affair”, foi premiado. Agora, o prêmio coroou “The Chase”, de Thomas Vinterberg, sobre um tema explosivo, o abuso infantil, e o que o filme aborda é o risco que a correção política pode acarretar. A premiação, exceto, talvez, pela Palma de Ouro, foi inesperada. É preciso um presidente de personalidade para bancar as escolhas. Mesmo não agradando a todo mundo – mas toda unanimidade é burra, dizia Nelson Rodrigues -, Moretti e seus jurados foram coerentes. As informações são do jornal O Estado de S.Paulo.