Em seu apartamento, Dido, a rainha de Cartago, ordena que sejam destruídas as tropas troianas – e resolve tirar a própria vida para proteger seu amor por Enéas. No Egito, em delírio, Cleópatra relembra seus dias e desafia os deuses com a própria morte. E Marguerite, por sua vez, aguarda, refletindo sobre o amor, o retorno de Fausto, por quem se percebe apaixonada. Três mulheres separadas pelo tempo, pelos sentimentos, mas reunidas por meio da sensibilidade de um só autor, o francês Hector Berlioz – e, nesta sexta, 17, e domingo, 19, também pela interpretação de uma das principais cantoras líricas brasileiras da atualidade, a mezzo-soprano Luísa Francesconi, que se apresenta com a Orquestra do Theatro São Pedro, regida pelo maestro Luiz Fernando Malheiro, em concertos dedicados à obra do compositor francês.

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“Berlioz é uma paixão desde sempre”, ela diz, após uma manhã de ensaios no palco do Theatro São Pedro. “Quando o maestro Malheiro me chamou para o concerto, não pensei duas vezes. A obra de Berlioz me acompanha. Cantei primeiro o ciclo La Nuit D’Été, e a segunda canção ainda é para mim uma das mais belas já escritas. Depois, fiz a Dido, nos Troianos”, lembra. No concerto, ela interpreta a ária da personagem, Je Vais Mourir, ao lado da “jornada emocional” da cantata A Morte de Cleópatra e da ária D’Amour L’Ardent Flamme, de A Danação de Fausto. Os trechos são entrecortados por páginas sinfônicas das óperas do compositor. E eles repetem a apresentação no dia 24, no Auditório Claudio Santoro, como parte do Festival de Inverno de Campos do Jordão, e, no dia 26, na Sala Cecília Meirelles, no Rio.

Luísa Francesconi começou na música ao piano. Ela conta que sua avó era uma grande pianista e deve ter visto na neta algum potencial. “Eu tinha 4 ou 5 anos quando comecei a tocar piano. E acabaria me formando na Escola de Música de Brasília.” Desde o ensino médio, no entanto, ela também cantava em coros amadores. Em um deles, fez um pequeno solo, a pedido do maestro. “Eu disse a ele que faria, mas do meu jeito, sem treino nenhum.” Ela se lembra o que era? “Alguma coisa sacra, uma peça supersimples.” Luísa entrou na faculdade, formou-se em Psicologia. Mas o canto falou mais alto. Vivia no Rio, mas ia duas vezes ao ano a Milão, onde estudou com a lendária Rita Patanè. “Ela tinha um ouvido impressionante, uma grande técnica. E era muito boa, pois unia a praticidade americana, afinal deu aulas na Manhattan School of Music, com a tradição italiana.”

Logo, ela acabaria se mudando para a Europa, onde viveu em Roma, Barcelona e Lisboa, acompanhada do seu então marido, o maestro Sílvio Barbato, que morreu em 2009, no acidente do voo 447 que seguia do Rio para Paris. As dificuldades de uma carreira como a de cantor lírico a fizeram pensar em desistir? Ela sorri. “Sair desse meio, por conta das poucas oportunidades que se apresentam, é um pensamento constante para qualquer cantor e para mim também. Barbato sempre me deu muita força, me convencia a ficar. E, eventualmente, você precisa reconhecer que fala mais alto a paixão devastadora pelo palco, pela palavra, pela música, pela arte dramática.”

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O início da carreira de Luísa esteve muito associado a papéis de autores como Rossini, Donizetti e Mozart. E a relação continua. “Do modo como está o mercado atual, é quase uma utopia o cantor imaginar que poderá viver apenas da interpretação daqueles que considera seus papéis ideais. Mas são esses os autores que se prestam melhor à minha voz. Eu quero voltar sempre a Mozart, cantá-lo é como recuperar a saúde vocal”, ela explica. No ano passado, aliás, ela foi um dos destaques de uma montagem de As Bodas de Fígaro, no mesmo Theatro São Pedro – e, no fim desta temporada, vai cantar em Così Fan Tutte, no Theatro Municipal de São Paulo.

Há, no entanto, um equilíbrio claro em sua trajetória entre papéis cômicos e dramáticos. E a Carmen de Bizet vem se impondo como um de seus grandes triunfos em palcos brasileiros e internacionais. “Foi preciso esperar um pouco. Não aceitei os primeiros convites para fazer Carmen, só topei quando tive certeza de estar pronta, quando já havia passado por óperas como Werther e Os Troianos. Não por conta da música em si, que nem é tão pesada, mas sentia falta de uma maturidade artística e dramática.” Outro papel dramático que ela espera fazer em breve é Adalgisa, da Norma, de Bellini.

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Planos futuros incluem um Stabat Mater de Pergolesi com a Osesp, na Sala São Paulo; e, ao longo deste ano, ela tem cantado também a Rosina na versão de O Barbeiro de Sevilha da Cia. Ópera Curta. “Já viajamos por 15 cidades do interior de São Paulo com a produção. É uma experiência fascinante, levar ópera a locais onde ela nunca havia chegado, atingindo um público mais amplo, mais jovem e diversificado, tentando acabar de vez com essa ideia de que ópera é coisa de elite. Não é.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.