Pinta la Revolución é o título de uma formidável exposição em cartaz até 7 de maio no Palácio de Bellas Artes, na Cidade do México. Conjunto de mais de 200 obras, entre pinturas, murais, revistas, fotografias, caricaturas, além de filmes e áudios, configura o imaginário gerado pela Revolução Mexicana de 1910. Claro, lá estão os carros-chefes do nacionalismo mexicano, como Siqueiros, Orozco, Rivera, além de Frida Kahlo e Tamayo. Mas também há os menos votados no exterior como María Isquierdo, Mardonio Magaña e outros, que problematizam a equação simplista “pintura mexicana: nacionalismo” e estão ligados mais a correntes internacionais e ao estridentismo, em seu diálogo com as vanguardas.
Além do impacto visual e emocional das obras, produz-se no visitante consciência da força com que os eventos históricos do início do século no México se estenderam pelas décadas seguintes. E que permanece viva talvez até hoje, num momento de comoção nacional contra as políticas discriminatórias de Donald Trump e seu plano de construção de um muro para separar os dois países.
Na verdade, por seu riquíssimo patrimônio histórico, o México nunca deixou de estar na moda, para dizer assim. Prova disso é o recente sucesso editorial de Viva!, do francês Patrick Deville, bestseller em dezenas de países, Brasil inclusive.
Nesse livro magnífico, definido pelo autor como “romance sem ficção”, os nomes desses pintores e muralistas ressurgem em meio a outros, em particular aos de dois estrangeiros que escolheram o México para viver – o escritor inglês Malcolm Lowry e o revolucionário soviético Leon Trotski. São os personagens principais, histórias paralelas que jamais se encontram, embora tenham vivido na mesma época e país, encarnando duas tipologias opostas. A primeira, a do artista atormentado que se destrói em busca da obra de arte perfeita. A segunda, o homem de ação emparedado por um rival poderoso, que acaba por matá-lo.
Trotski, parceiro de Lenin na Revolução de Outubro e criador do Exército Vermelho, caído em desgraça na disputa do poder com Stalin e sobrevivente de vários exílios, abrigou-se no México na época tolerante do governo do presidente Lázaro Cárdenas del Rio.
Lowry, alcoólatra sustentado pelo pai milionário, interna-se em Cuernavaca, onde procura dar forma à sua obra-prima, À Sombra do Vulcão, depois filmada por John Huston com Albert Finney no papel do atormentado cônsul inglês Geoffrey Firmin.
Trotski e sua esposa Natalia Sedova conseguiram vistos mexicanos por intercessão de Diego Rivera. Depois da chegada, em Tampico, instalaram-se na Casa Azul, onde o muralista vivia com Frida Kahlo. A hospitalidade não impediu Trotski de manter um caso amoroso com Frida. Afinal, Frida e Diego viveram um dos mais famosos casamentos abertos do século 20, ao lado do de Sartre e Simone de Beauvoir.
Depois, Trotski mudou-se para casa própria, no mesmo bairro de Coyoacán, a alguns quarteirões da Casa Azul, hoje transformada no Museu Frida Kahlo. Foi lá, nessa casa da Calle Viena (também hoje um museu), que Trotski sofreu o primeiro atentado contra sua vida, comandado pelo muralista stalinista David Alfaro Siqueiros, e do qual saiu ileso. Não escapou do segundo atentado, quando o agente de Stalin, Ramon Mercader, infiltrou-se no bunker e golpeou sua cabeça com uma picareta de alpinista. Ferido, Trotski faleceu no dia seguinte. Esta tragédia real, tingida por toques ficcionais, é descrita em outro best-seller sobre o período, O Homem Que Amava os Cachorros, do cubano Leonardo Padura. E deu origem ao filme clássico de Joseph Losey O Assassinato de Trotski.
De forma figurada ou literal, são histórias escritas a sangue, vivas e coloridas, cheias de fúria e paixão, como os painéis e quadros expostos no Palácio de Bellas Artes na Cidade do México.
VIVA!
Autor: Patrick Deville
Tradução: Mariana Scalzo
Editora 34 (208 págs.; R$ 44,20)
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.