“Meus quatro avós foram sobreviventes do holocausto”. É dessa maneira que Carlos Reiss, coordenador do Museu do Holocausto de Curitiba, inicia o relato da vida dos seus avós e descreve como foi a chegada deles ao Brasil.
No século XX, ocorreu, na Europa, o genocídio em massa do povo judeu em todos os territórios ocupados pela Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial, fato que ficou conhecido como Holocausto. De acordo com a ideologia nazista, o povo legitimamente alemão era descendente dos arianos e deveriam criar uma supremacia racial composta apenas destes seres “superiores”.
Milhares de pessoas foram vítimas desse momento histórico, o qual custou a vida de aproximadamente seis milhões de judeus. Muitas famílias que conseguiram escapar dos campos, encontraram em Curitiba uma forma de recomeço de vida. Só no Paraná, foi levantado cerca de 90 nomes de pessoas que sofreram algum tipo de perseguição, destes, 12 ainda estão vivos. Uma dessas famílias foi a de Carlos.
Sara Borowiak, avó paterna de Carlos, nasceu em Lodz, na Polônia, em 1925. Desde muito pequena sofreu preconceito por ser judia e tinha apenas 14 anos quando viu os alemães invadindo sua cidade e obrigando os judeus a se fecharem em um gueto, onde eram humilhados.
A jovem permaneceu no gueto com os pais quando, em 25 de fevereiro de 1944, seu pai falece. Com força e vontade de viver, Sara se esconde com a mãe e uma outra família em um prédio abandonado, onde não havia nem mesmo água. Após uma noite, em que estavam procurando por comida, do lado de fora do esconderijo, um soldado alemão quase as encontrou, Sara não conseguiu dormir na agonia e na incerteza de sair daquela situação com vida. A menina então convence sua mãe, Ruchla, a se entregar ao exército nazista.
Acervo da família |
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Sara (ao centro) com seus pais e irmãos. A foto foi tirada antes de a família ser perseguida pelos nazistas. |
Na manhã seguinte, as duas foram deportadas com destino ao campo de Auschwitz, onde foram separadas logo na chegada e Ruchla encaminhada diretamente para as câmaras de gás, fato do qual Sara só teve conhecimento algum tempo depois. Como relata Carlos, sua avó carregou a culpa da morte da mãe até o momento de seu próprio falecimento. Doente e com fome, a jovem judia chegava a passar terra no rosto e nas mãos para passar a impressão de que estava corada e de que ainda estava apta a realizar os trabalhos no campo.
Sara foi retirada da fila da câmara de gás por duas vezes em Auschwitz e, alguns meses depois, foi encaminhada a Bergen Belsen, na Alemanha, onde permaneceu por mais algumas semanas e, em seguida foi enviada a outro campo, chamado Magdeburgo. “Houve um dia que minha avó acordou e viu que não havia mais soldados ali. A reação dela e de todos os outros refugiados foi correr. No meio do caminho, Sara foi presa por jovens hitleristas. A luta não estava no fim”, relata o neto.
A judia foi levada para um campo de futebol onde tiros e granadas eram despejados no chão a todo o momento. Não restavam mais escolhas a não ser começar a correr em direção à floresta. No meio dos arbustos, a menina avistou o aperto de mãos entre um russo e um norte-americano. Era o fim da Segunda Guerra Mundial.
Sara retornou a Lodz em busca de sobreviventes da sua família, mas, infelizmente, não encontrou nada além de sua casa destruída. Foi nesse momento de procura, que a judia conheceu outro sobrevivente, o qual também havia perdido toda a família, chamado Michal, homem com quem ela se casaria. Sara e Michal queriam ir para Israel, porém uma doença de Sara impossibilitou que ambos embarcassem no navio clandestino Exodus. Passaram então algum tempo na Alemanha, em um campo de refugiados em Berlim, onde conheceram os avós maternos de Carlos, casaram-se e lá Michal acabou recebendo um postal de sua prim,a Malka, que estava vivendo no Brasil.
Acervo da família |
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Sara, já no Brasil, com marido e filhos. |
Decididos a sair de Berlim, o casal foi clandestinamente até Paris para conseguir um autorização de entrada no Brasil. E, finalmente, em 1948, chegaram e estabeleceram-se primeiramente em Belo Horizonte. Em 25 de fevereiro de 1949, exatamente cinco anos após a morte do pai de Sara, no gueto de Lodz, nasceu o primeiro filho do casal, o pai de Carlos, e logo depois ainda vieram outros dois filhos, gêmeos.
Michal faleceu poucos anos depois, por isso, “Dona” Sara, como ficou conhecida no Brasil, tornou-se costureira e conseguiu criar os três filhos com muito garra. Casou-se novamente e ficou viúva mais uma vez. Mesmo após se estabelecer em nosso país, Sara ainda tinha muitos pesadelos e carregava muitos traumas, ela se sentia, inclusive, culpada de ser uma sobrevivente do holocausto nazista. Por que ela e não o rabino de sua cidade, que era uma pessoa muito mais correta, se questionava.
“Tudo aquilo o que estes sobreviventes sofreram acaba, é claro, passando também para as suas famílias. Ao ouvir uma sirene ou ver uma pessoa fardada, por exemplo, minha avó chegava a esconder as crianças em baixo da cama”, relata Carlos.
Sara faleceu, em 1994, aos 69 anos, deixando três filhos, cinco netos e agora um bisneto, que tem dois anos. Atualmente, a comunidade judaica conta com aproximadamente mil famílias vivendo em Curitiba e comemora 125 anos de permanência no Paraná. O Centro Israelita completa 94 anos de existência em 2014 e continua sendo um comitê de identificação aos vários grupos e faixas etárias da comunidade.
*colaboração Lara Pessôa e Manuella Niclewicz.