Merchandising social é comum em tramas da televisão

Hoje em dia não basta uma novela ter uma boa história, satisfatórios índices de audiência e virar assunto. Grande parte dos autores não costuram suas tramas sem destacar algum tipo de merchandising social. Afinal, além da trama ser vista com outros olhos pela direção das emissoras, todo mundo quer ficar bem na foto. Sílvio de Abreu, por exemplo, que nunca havia tratado de questões sociais em suas tramas, com Belíssima parece ter sido seduzido a abordar assuntos polêmicos, como o comércio de escravas brancas para o exterior – com a personagem Taís, de Maria Flor, que se muda para a Grécia com a promessa de emprego e é obrigada a se prostituir. Ainda na mesma trama, Silvio retrata, pela primeira vez numa novela, a prostituição masculina através de Mateus, personagem de Cauã Reymond.

Aguinaldo Silva, outro que também jamais havia feito qualquer tipo de merchandising social e sempre preferiu apostar no realismo fantástico, com Senhora do Destino discutiu o preconceito pela primeira vez com duas vertentes polêmicas. A primeira delas foi a bem-sucedida adoção de uma criança por um casal de lésbicas, interpretadas por personagens bem femininas e vividas pelas atrizes Milla Christie e Bárbara Borges. Outro tiro certeiro do autor foi abordar o mal de Alzheimer, uma doença degenerativa que destrói células cerebrais vitais. Na trama, Glória Menezes interpretava Laura, que se recusava a admitir os sintomas da doença. Iniciativas como essa trazem à tona a discussão mais aprofundada sobre determinado tema e ajudam a derrubar preconceitos através da informação. Nessa estréia social, Aguinaldo chegou a ser convidado pela Organização Mundial da Saúde a debater sobre o merchandising social na Venezuela.

Mas as tramas que, de fato, conseguem concretizar efetivos merchandisings sociais são aquelas que, além de se aprofundar no tema, conseguem promover alguma mudança real no comportamento da sociedade. Como a questão da leucemia, explicitada por Manoel Carlos na trama Laços de Família, em 2000. Todo o drama da personagem Camila, de Carolina Dieckmann, que chegou a raspar a cabeça no ar, mobilizou o público de tal forma que conseguiu incentivar a doação de medula nos hospitais do País.     

Manoel Carlos, que em todas as suas tramas sempre constrói núcleos que possam transmitir algum papel social, começou a dar o exemplo em História de Amor, em 1995. Lá o personagem Edgar, de Nuno Leal Maia, ficou paraplégico e, mesmo assim, praticava esportes. O assunto foi tão debatido na época que o autor convidou Pelé, que na época era Ministro do Esporte e Turismo, para fazer uma participação na trama. Os deficientes físicos também viraram assunto para Glória Perez – outra autora que sempre faz questão de inserir um merchandising social em suas tramas. Através dos personagens deficientes visuais Jatobá e Flor, vividos por Marcos Frota e Bruna Marquezine em América, mostrou o drama de todos os deficientes, não apenas os visuais. Com o fictício programa É Preciso Saber Viver, apresentado por Dudu Braga, Glória alertou a sociedade sobre as dificuldades que os deficientes enfrentam no dia-a-dia e de que forma as autoridades podem contribuir para a acessibilidade. Na mesma América, Glória ainda mostrou que a cleptomania é uma doença através da perua Haydée, de Cristiane Torloni.

Mas a presença de merchandising social já não se restringe às produções da Globo. Em Prova de amor, da Record, o autor Tiago Santiago explora o tema de crianças desaparecidas e dos menores abandonados na trama, que constantemente tem ficado em segundo lugar na audiência, com média de 15 pontos. Prova de que, além do entretenimento, a presença de alguma função social pode ser tempero certo na receita dramatúrgica.

Apesar de ser uma iniciativa normalmente encarada com simpatia pelas emissoras, a presença de merchandising social ostensivo numa novela pode representar alguns riscos. É que a proliferação de personagens tão politicamente corretos e que passam muitos capítulos dando lições de moral, como o monocórdio Jatobá de América, faz com que o papel social de uma novela se torne didático e certinho demais. E personagens excessivamente professorais podem acabar atraindo a antipatia do público, não só pela novela – o que acaba refletido nos temíveis índices de audiência – como também pela própria causa social defendida. Ou seja, não bastam apenas boas intenções – talento também é fundamental.

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