Foi pena por Martin Scorsese, figura rara naquele deserto de homens e de idéias chamado Hollywood, mas o fato é que os principais prêmios, dados a Clint Eastwood e seu Menina de ouro, foram mais do que merecidos. Menina foi mesmo o melhor filme americano do ano e por isso merece cada uma das quatro estatuetas que levou: melhor filme, ator coadjuvante (Morgan Freeman), atriz (Hilary Swank) e diretor (Clint Eastwood). Quatro prêmios fortes que, na contabilidade do Oscar, valem mais do que os cinco atribuídos a O aviador: direção de arte, figurino, atriz coadjuvante (Cate Blanchett), montagem e fotografia.
Sobrou pouco para os outros concorrentes – a esperada estatueta de ator para Jamie Foxx em Ray, cinebiografia do cantor Ray Charles, que também levou mixagem, e roteiro adaptado para Sideways – entre umas e outras, de Alexander Payne. Brilho eterno de uma mente sem lembranças ganhou pelo roteiro original de Charlie Kaufmann, que é, de fato, o que o filme tem de melhor.
Até mesmo os latinos foram lembrados, primeiro com a vitória do espanhol Mar adentro, de Alejandro Amenábar, na categoria filme estrangeiro e depois com a canção Al outro lado del río, do uruguaio Jorge Drexler, feita para o filme Diários de motocicleta, de Walter Salles. Assim, foi apenas de raspão que o Brasil entrou na história do Oscar 2005.
Mas, dentro das opções propostas, o resultado não poderia ter sido melhor, e nem mais justo. Premia Clint, que já havia vencido antes com seu faroeste crepuscular Os imperdoáveis. E a Academia põe em evidência uma carreira cinematográfica das mais interessantes, que se fez dentro da indústria, com filmes comerciais como os Dirty Harry e faroestes spaghetti, e depois evoluiu para aquilo que de mais parecido existe com um ?autor? dentro de uma fábrica de cinema. Possivelmente Menina de ouro seja o ápice da trajetória de Clint, um diretor que se torna clássico no esplendor dos seus 74 anos.
Menina de ouro não é um sucesso arrebatador de bilheteria, o que se compreende dadas a natureza do seu tema. Nesse sentido, a premiação reflete mesmo os alicerces dessa história sobre a culpa e o perdão, com o mundo do boxe como pano de fundo. Atribui as duas estatuetas à dobradinha clássica filme-diretor e destaca a atuação de Hilary Swank no papel da candidata a campeã treinada por Clint. Mais: dá valor a Morgan Freeman que, no papel de um velho pugilista e com sua voz carismática, que conduz a narrativa em off, dá ao filme a sua consistência dramática. Freeman é a liga sem a qual Menina de ouro perderia sua força. Justíssimo esse Oscar, o primeiro na carreira do ator.
Já os cinco Oscars de O aviador, indicado em nada menos que 11 categorias, servem como um diagnóstico sobre o valor do longa que conta a história do magnata Howard Hughes. Trata-se de um trabalho muito bem-feito e competente sob vários pontos de vista técnicos. Falta-lhe ?alma?, que não é uma categoria cinematográfica, mas uma categoria um tanto idealista de que tanto o crítico como o espectador comum detectam muito bem a presença ou ausência. Sentimos a sua presença quando a imersão do diretor em seu projeto e tema é absolutamente sincera e quando ele consegue, com sua história, passar um sentimento de verdade que vai além da própria história que conta.
Por exemplo, apenas para efeito ilustrativo e sem nenhum sentido de comparação entre um filme e outro: quando Orson Welles fala sobre a vida de um magnata das comunicações que, por ambição e egoísmo, perde o sentido da vida, está falando de Kane dele próprio, e de cada um de nós. O aviador é, de certa forma, decalcado sobre o modelo de Cidadão Kane, esse paradigma permanente a respeito do fracasso das ?grandes vidas?. Mas não atinge o trágico nem o patético que, no entanto, estavam lá ao seu alcance, na biografia exemplar de Hughes, que teve tudo, todo o dinheiro e todas as belas mulheres do mundo, e acabou sem nada, isolado e com medo de micróbios. Feitas as contas, O Aviador parece um bonito e digno filme. Scorsese optou por mostrar o empreendedor e recuou diante do destino trágico de Hughes. Com isso enfraqueceu o projeto.
Esse algo mais, que falta a O aviador, sobra em Menina de ouro, filme que veio para ficar e será lembrado no futuro, ao contrário de tantos outros premiados com a estatueta da Academia e que se tornam descartáveis já no ano seguinte. Já se disse – e é verdade – que Menina de ouro é um falso filme sobre boxe. Verdade. Não é o boxe, seu ambiente, sua glória efêmera ou a sua violência que mais interessam ao diretor. O boxe fornece apenas o quadro adequado para o drama dos personagens. Clint constrói seu drama com mão de mestre. Quer dizer, com sobriedade. O boxe lhe fornece o ambiente, árido e implacável, e a história faz o resto. Difícil imaginar um espectador que passe incólume por esse filme. Menina de ouro é um filme denso, complexo, e emocionalmente perturbador, que ainda não cessou de dizer a que veio.
Também é curioso que o principal premiado, Menina de ouro, e o vencedor de melhor filme estrangeiro, Mar adentro, tenham a eutanásia como um dos seus subtemas, mas isso jamais tenha sido mencionado na cerimônia. O potencial polêmico dos dois filmes, no entanto, havia sido discutido antes da premiação. Mas não ficava bem, talvez, evocar tudo isso em uma cerimônia marcada pela frivolidade e pelos bons sentimentos pasteurizados, como de hábito. É verdade que, entre as piadinhas habituais, sempre sobra espaço no Oscar para uma certa meditação sobre a transitoriedade da vida, quando se homenageiam os mortos do ano: Reagan, Peter Ustinov, Fay Wray, Janet Leigh, Mercedes Macambridge e o grande Marlon Brando.
Mas é a vida que prevalece. E esse talvez seja o sentido maior do grande vencedor, Menina de ouro. Em seu desfecho não há espaço para um happy end convencional. Apenas o sentido duro e rigoroso da existência, sem nenhuma contemplação ou atenuante. É o que nos é dado, sugere o diretor, e devemos nos virar com essa contingência o melhor que pudermos, sem mentiras ou ilusões. Depois de anos premiando produções infanto-juvenis ou dramas anêmicos, a Academia valoriza agora um filme adulto, e pensado para adultos. Um notável progresso, se significar uma tendência duradoura e não um mero espasmo de inteligência. (AE)
Música de Diários foi a melhor
Rio – O uruguaio Jorge Drexler ganhou o Oscar de melhor canção de Diários de motocicleta, filme do brasileiro Walter Salles. O cantor e compositor cantou um trecho da música Al otro lado del río como agradecimento, realizando o sonho de interpretá-la no palco do Teatro Kodak, onde foi realizada a cerimônia. A música havia sido interpretada momentos antes pelo ator espanhol Antonio Banderas e pelo guitarrista mexicano Carlos Santana. A escolha de Banderas causou muito polêmica e chegou a revoltar a produção de Diários. A equipe do filme, incluindo Walter Salles, chegou a divulgar uma carta repudiando a decisão da Rede ABC.
Quando a atriz mexicana Salma Hayek começou a falar sobre a próxima atração musical da noite, mencionou imediatamente Drexler que, surpreendentemente, estava lá, no Teatro Kodak. Aliás, o uruguaio foi concorrente à estatueta de melhor canção mais filmado, e o único a ser mostrado durante a reapresentação dos indicados que precede a divulgação do resultado final, feita por Prince.
Salma Hayek mencionou o nome do compositor duas vezes e, antes de chamar Banderas e ?o legendário guitarrista Carlos Santana? para o número musical, fez questão de garantir aos que não entendem espanhol que se tratava de uma linda música.
Santana entrou no palco com camiseta estampada com a clássica foto de Guevara. Banderas, por sua vez, não fez feio, vestido e cantando ao melhor estilo ?amante latino?. Ao final, a câmera voltou a Drexler: ele aplaudiu timidamente, olhando para a lente de rabo de olho e com um irônico sorriso na boca.
Halle Berry ganha prêmio de pior atriz
Rio – A atriz Halle Berry, vencedora do Oscar de 2002 por A última ceia, ganhou neste domingo o prêmio de pior atriz pelo seu trabalho em Mulher-gato. Se o Framboesa de Ouro para ela não surpreendeu ninguém, a aparição da atriz na cerimônia de entrega da premiação, sim. Halle Berry acabou sendo aplaudida de pé pela platéia que lotou um teatro em Los Angeles, Estados Unidos.
Em discurso bem-humorado, Berry fez uma paródia do seu agradecimento no Oscar. Ela agradeceu aos realizadores de Mulher-gato por a terem colocado em um filme horrível. ?Era tudo o que eu precisava na minha carreira. Eu estava no topo, agora estou no fundo? disse Berry, cujo filme também conquistou Framboesas de Ouro de pior filme, pior direção e pior roteiro. Outro ator que apareceu para receber o Framboesa foi Tom Green. Ele ganhou o prêmio de coadjuvante pelo filme Fora de casa.
O prêmio de pior ator do ano ficou para o presidente americano George W. Bush em sua perfomance no documentário Fahrenheit 11 de setembro. O longa de Michael Moore também ganhou outras três Framboesas de Ouro nas categorias de pior ator coadjuvante para o secretário de Defesa americano, Donald Rumsfeld. O pior casal na tela foi Bush e a secretária de Estado dos Estados Unidos, Condoleeza Rice. A cantora Britney Spears levou o Framboesa de Ouro por pior atriz coadjuvante.