Nagib Chede. |
Quem hoje sintoniza as emissoras de televisão de Curitiba e do Paraná, integradas ao mundo, através de redes nacionais, via satélite, com imagens coloridas e de alta resolução, talvez não imagine a dificuldade que foi trazer a novidade tecnológica para cá. Pois precisa ficar sabendo que a honra de pioneiro cabe, primordialmente, a um homem: Nagibe Chede, um palmeirense de boa cepa, ainda vivo e em boa forma, aos 91 anos de idade, completados em maio, mas que, como tantas outras destacadas figuras desta terra, ainda não recebeu todas as homenagens que merece dos curitibanos e paranaenses.
Homem de rádio – foi o fundador e por muitos anos concessionário das hoje extintas Rádio Emissora Paranaense, depois Universo, Apolo e Scala, e Rádio Curitibana, hoje Cidade, ambas então instaladas ali na Rua Senador Alencar Guimarães, nas vizinhanças da Praça Ozório -, um dia pôs na cabeça que deveria trazer para o Paraná aquele extraordinário invento, que misturava o rádio, o teatro e o cinema.
Em 1958, a convite do Lions Club, embarcou para os Estados Unidos e, lá, ficou ainda mais encantado com a engenhoca que fascinava os americanos. Aqui mesmo, no Brasil, já era uma realidade, há alguns anos, para os paulistas, cariocas, mineiros, gaúchos e pernambucanos.
Em Nova York, Nagibe Chede conheceu um engenheiro eletrônico, que lhe mostrou uma pequena câmara filmadora RCA Victor, capaz de produzir pequenas transmissões em circuito fechado. Comprou-a na hora e regressou ao Brasil com o aparelho debaixo do braço. Era pouco maior do que uma caixa de sapatos.
– Desde aquela minha viagem aos EUA – contaria ele, anos depois – fiquei fascinado com a televisão. E senti, com alguma mágoa, a inferioridade do Paraná naquele setor. Assim, tratei de requerer, naquele mesmo ano, junto ao então Ministério da Viação, a concessão de um canal de TV para Curitiba, através da Sociedade Rádio Emissora Paranaense.
Tão logo retornou ao Brasil, Nagibe começou a fazer experiências. As primeiras tentativas aconteceram no interior das Lojas Tarobá, que ficavam no térreo do Edifício Garcez, na Av. Luís Xavier (então, João Pessoa), esquina com Voluntários da Pátria.
– A princípio exibíamos apenas filmes, pequenos documentários, cedidos pelo consulado norte-americano – narra ele.
Os filmes, na verdade, eram projetados em uma parede branca e “refilmados” com a pequena câmera RCA. Logo depois, já com uma pequena antena, passaram a ser efetivamente transmitidos pelo Canal 10 de VHF, de uma acanhada sala do Edifício Marisa, na Senador Alencar Guimarães.
A repercussão foi enorme. Mas Nagibe começou a ficar preocupado. Era tudo ilegal. Ninguém pedira nenhuma autorização. A saída foi recorrer ao governador do Estado, Moyses Lupion, seu amigo pessoal. E, com ele, seguir para o Rio, então sede do governo federal. Ali, Nagibe Chede foi recebido pelo presidente Juscelino Kubitschek. “Em pessoa e sem sapatos”. JK achou que Curitiba merecia uma emissora de TV. E bem ao seu estilo, apanhou o memorial justificativa que lhe fora entregue por Lupion e Nagibe, acrescentou-lhe no alto da primeira folha um “autorizo”, assinou e mandou o papel para o Ministério das Comunicações, então chamado de Viação e Obras Públicas. Estava resolvida a questão.
De volta a Curitiba, Nagibe transferiu toda aquela parafernália para uma sala do último andar o Edifício Tijucas, na Av. Luiz Xavier, ainda em modestíssimas instalações. Aí, porém, já contava com o suporte técnico de um jovem mineiro chamado Olavo Bastos, que anos antes construíra o primeiro transmissor de televisão do País, em Juiz de Fora. Olavo passou a repetir a façanha em Curitiba. O transmissor não tinha lá grande potência, apenas 10 watts, mas dava para o gasto. E como dava!
Então, em meio a um emaranhado de cabos, fios, telas, câmaras, refletores, válvulas, microfones, cartazes rabiscados e mesas de controle, um bando de neófitos, procedentes do rádio, entre os quais, Romualdo Ousaluk, Renato Mazanek e Silas de Paula (um paulista que trabalhava no Hotel Iguaçu, hoje Bourbon, e tivera uma pequena experiência como “câmara-man” em São Paulo), davam asas à imaginação. Sem nenhuma escola e sem maior experiência no ramo, valiam-se apenas de um enorme entuasiasmo e da criatividade inata de cada um.
Nascia, assim, em berço precário, com muitas falhas e muito amadorismo, mas também com muita garra e muita esperança, a TV Rádio Emissora Paranaense – a televisão com a qual Nagibe Chede sonhara para Curitiba. Como ninguém, aqui, possuía televisores, ele pediu a ajuda de alguns empresários de expressão e visão, na época, como Pedro Stier, das Lojas Tarobá, Hermes Macedo e Pedro Prosdócimo, que trouxeram alguns aparelhos de São Paulo e os espalharam por suas lojas, no centro da cidade, cujas vitrines passaram a ser disputadas por olhos ainda espantados com aquelas formas em movimento, que saíam de estranhas caixas retangulares. Como o transmissor só era capaz de emitir imagem, o som era veiculado pela Rádio Curitibana.
No início, as “atrações” se restringiam a documentários e antigos desenhos animados, e as transmissões duravam cerca de duas horas, no período noturno. Um dia (ou uma noite, para ser mais exato), finalmente, a primeira figura ao vivo! Um rosto meio estranho, com grandes óculos, mas uma voz muito conhecida dos ouvintes de rádio. Era Elon Garcia, um dos mais competentes locutores da terra. E com ele, finalmente, inaugurava-se a era da televisão no Paraná. No ar, a TV Paranaense, Canal l2, hoje afiliada da Rede Globo de Televisão. No vídeo, além de Elon, outros pioneiros, como Tônia Maria, Alcides Vasconcelos, Moraes Fernandes, Jamur Júnior, Flávio Menghini, Moacir Gouveia, Fritz Bassfeld, Abílio Bastos, Azor Silva e Maurício Fruet. Depois, vieram Clemente Chen, Kar Maia, Valêncio Xavier, Roberto Menghini, Baraúna de Araújo, Ivo Ferro e muita gente boa.
A inauguração oficial somente aconteceria algum tempo depois, a 29 de outubro de 1960, mas aí vários programas, entre seriados enlatados americanos e programas ao vivo já animavam as noites dos telespectadores curitibanos: “Histórias do Vovô Moraes”, “Susie, a Minha Secretária Favorita”, “Tevelândia”, “Zorro”, “Repórter Real”, “Jantando com as Estrelas”, “O Estado do Paraná na TV”, “Aventuras Submarinas”, “Teatro de Terror” e a primeira série filmada de longa metragem (60 minutos), “Perry Mason”, aos domingos.
Os anunciantes começaram a acreditar no novo veículo, os produtos eram ofertados ao vivo, pelas chamadas garotas-propaganda. Para tanto, importou-se de São Paulo a louríssima Meire Nogueira, que começou a formar a equipe de anunciadoras da casa. A primeira seleção foi vencida por uma jovem bonita e talentosa, chamada Sileide Costa, que abriu caminho para Rosemary Naumes, Acidália e Danúzia Cintra, Marielza Nunes, Osires Haddad, Regina Kolberg e várias outras. Meire hoje está de volta a Curitiba e à TV do Paraná, onde conduz um programa noturno de televendas de jóias.
O sonho de Nagibe Chede se materializara. Curitiba e o Paraná tinham, enfim, a sua televisão. Restava apenas aperfeiçoá-la. E disso se encarregariam os anos, como se viu. Sou testemunha ocular da história e tenho orgulho disso.