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Matteo Garrone e a perda da inocência

Matteo Garrone conversou com o jornal “O Estado de S. Paulo”, pelo telefone, no dia de folga da rodagem do novo longa. Ele está adaptando Pinóquio diretamente da fonte, Collodi. “É um livro maravilhoso.” Quem é a sua fada, considerando-se que, na versão de Luigi Comencini, de 1971, o papel coube a Gina Lollobrigida, e foi, talvez, o último suspiro de beleza e talento da estrela que foi a grande rival de Sophia Loren? “Não adianta lhe dizer o nome, é desconhecida mesmo na Itália. Mas o meu Gepeto você conhece, é Roberto Benigni.” O que leva a um dos aspectos fundamentais de Dogman, em cartaz nos cinemas. O ator que faz o protagonista, Marcello Fonte, é uma descoberta de Garrone. Como?

“Creio que existe um Deus do cinema, velando pelos diretores. Demorei dez anos para fazer esse filme, e sempre soube que só daria certo com o elenco justo. Não apenas o protagonista, mas o antagonista, também. Encontrei Marcello que trabalhava como segurança num prédio comunitário em que se reuniam amadores que cumpriam sua pena com a sociedade fazendo serviço comunitário. Íamos testar todo o grupo, mas um dos integrantes morreu e Marcello o substituiu. Algo de mágico se passou. Seus grandes olhos tristes me cativaram. Ele tem algo de Buster Keaton, de Ninetto Davoli (o ator fetiche de Pier Paolo Pasolini). O filme conta a história de um homem que procura, desesperadamente, ser aceito. É uma história de perda de inocência. Marcello foi perfeito, acrescentou muito ao papel.”

Não apenas ele – “Meu antagonista, Simoncino, também foi um achado. Edoardo Pesce tem cara e corpo de brutamontes, mas um coração de ‘bambino’. É doce, mas na tela torna convincente o bullying que Simoncino impõe a Marcello.” Na história, Marcello possui uma loja de pets. É totalmente dedicado a seus cachorros, e à filha. É um bom sujeito, faz de tudo para tentar ser aceito pela comunidade. A primeira parte é sobre isso – como esse homem se esforça para ser um bom pai para a filha de quem está separado. E, na segunda, Simoncino, ameaçador, o arrasta para o crime, torna-o um pária. Marcello vinga-se. Vinga-se? “Para mim, não é uma fábula de vingança, mas uma investigação da identidade. Quem achamos que somos, e quem somos de verdade? A perda da inocência, a queda no inferno da realidade.”

Como os atores, Garrone sabia que a própria ambientação seria decisiva – como um terceiro personagem. Encontrou o set de seus sonhos em Campânia, ao sul de Nápoles, onde filmou Gomorra e Reality. O lugar é desértico, dá a impressão de estar perdido no fim do mundo. Uma cidadezinha de faroeste. “É isso mesmo, esse elemento de western é intencional no filme, o herói com seus demônios. O importante é que quase não precisamos interferir na paisagem. Já era aquilo – a desolação.”

Matteo Garrone ganhou projeção internacional com sua adaptação do romance de Roberto Saviano, Gomorra, em 2008. Já tinha currículo, curtas e longas desde 1996, mais de 20 anos antes. Mas Gomorra, a história da iniciação ao crime de dois garotos napolitanos, foi um estouro. Ganhou o Grand Prix do júri no Festival de Cannes e o David di Donatello, o Oscar italiano, de filme e direção.

Garrone continuou acumulando prêmios com Reality, que, no Brasil, ganhou o acréscimo de A Grande Ilusão ao título original. O entusiasmo da crítica foi bem menor por Conto dos Contos, que Garrone adaptou da obra famosa de Giambattista Basile. Críticos de língua inglesa fizeram uma leitura curiosa da obra de Garrone. Comparam-no a Francesco Rosi, um autor conhecido por seu cinema realista, documentado – mais que documentário -, expresso em filmes como O Bandido Giuliano, Le Mani sulla Città e O Caso Mattei, mas que também incursionou pela fantasia com Felizes para Sempre. O filme com Sophia Loren e Omar Sharif teria sido o Conto dos Contos de Rosi. Garrone discorda. Por mais lisonjeiro que possa ser comparado a um grande como Rosi, não é acurado.

“O neorrealismo provocou uma revolução no cinema italiano e mundial, e o realismo entranhou-se em todos nós, que viemos depois. De qualquer maneira, sinto-me mais próximo do fantástico na poética de (Federico) Fellini do que em qualquer possível filiação com Rosi, por mais que o admire.” Dogman estreou na Itália simultaneamente em salas e on demand. Foi uma decisão do produtor. “Achei interessante quando ele me explicou que hoje em dia o sistema de exibição está mudando, e o público está aderindo ao streaming. Se isso ajudar o filme a encontrar seu público, ótimo, mas sinto dizer que ainda sou um espectador à moda antiga. Não curto muito ver os filmes em casa.” Marcello Fonte venceu o prêmio de interpretação em Cannes e o Félix como melhor ator europeu do ano. Dogman venceu a Palme Dog. Indicado pela Itália, não conseguiu emplacar o Oscar. “Faço filmes pelas histórias que quero contar, não pelos prêmios que possa receber. O Oscar é importante e contemplou grandes filmes e diretores italianos, mas dá para sobreviver sem ele.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

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