A última vez que o pintor norte-americano Julian Schnabel expôs no Brasil foi há 20 anos, na 22ª edição da Bienal de São Paulo (1994). Na ocasião, o artista enviou para a mostra quatro gigantescas telas da série Hurricane Bob, que retratavam a devastação provocada pelo furacão Bob na costa leste dos EUA, em 1991. De volta ao País para sua primeira individual num museu brasileiro, o Masp, que inaugura dia 4 de setembro sua exposição LA NIL – Paintings (1988-2014), com 25 obras de grandes dimensões, Schnabel não mostra desta vez uma tragédia coletiva, mas particular. Entre essas telas destaca-se uma série de três pinturas feitas no dia em que seu amigo pintor Cy Twombly morreu, em 5 de julho de 2011, todas elas com gesso branco espalhado com vassoura sobre lona verde.

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Sobre a exposição, Schnabel concedeu uma entrevista por telefone, de Nova York, ao Estado. Ainda se recuperando das mortes de dois outros amigos, o cantor Lou Reed, em outubro do ano passado, e o ator Philip Seymour Hoffman, em fevereiro deste ano, o artista conta que a ausência deles provoca uma dor tão intensa que só o ato de pintar o faz acreditar ser ainda possível superar certos traumas.

Um deles diz respeito à polêmica provocada por seu quinto e mais recente filme, Miral, baseado na autobiografia da jornalista e escritora ítalo-palestina Rula Jebreal, que acompanha a vida de três gerações de mulheres palestinas da perspectiva de uma garota que amadurece durante a primeira Intifada, no final dos anos 1980. Recebido como um manifesto anti-Israel, Miral não é, contudo, um filme antissemita. Schnabel, descendente de judeus, garante não ter nada contra Israel, exceto sua desmesurada força bélica. “É essa situação que me incomoda, essa guerra inaceitável, uma injustiça terrível contra o povo palestino.”

Schnabel, além de pintor disputado e representado por uma das maiores galerias do mundo, a Gagosian, é autor de filmes que, ao contrário de Miral, fizeram muito sucesso junto ao público e receberam ótimas críticas, como Basquiat (1996) – sobre o grafiteiro americano de mesmo nome – e Antes do Anoitecer (2000), que trata da vida do poeta homossexual cubano Reinaldo Arenas (1943-1990). Além desses, dirigiu Berlim (2008) e O Escafandro e a Borboleta (2007), drama tocante adaptado do livro homônimo do editor francês Jean-Dominique Bauby, que sofreu um acidente vascular cerebral e desenvolveu uma síndrome do encarceramento, que deixou seu corpo totalmente paralisado.

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Os filmes serão exibidos na retrospectiva dedicada ao artista pelo Masp.

“Não é uma mostra gigantesca, mas a considero bastante representativa”, define Schnabel, que fala com entusiasmo da sua mais recente série de telas, Basic Boating (2013). Nela destaca-se a figura de uma garota seminua em barcos, além de bandeiras não identificáveis como brasões. De fato, a garota pelada é uma daquelas figuras intercambiáveis de revistas pornôs. As bandeiras, por sua vez, são trapos rotos que já não representam mais nada no mundo globalizado. O contraponto dessa vacuidade é a série dedicada a Cy Twombly, que costumava escrever sobre a superfície da tela mensagens cifradas extraídas de textos literários.

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Schnabel, considerado o “enfant terrible” da geração neo-expressionista americana dos anos 1980, ligada aos “novos selvagens” alemães e à transvanguarda italiana, sofreu – e ainda sofre, admite – grande influência do erudito Twombly, que buscava na Antiguidade inspiração para suas telas.

“Essa série, que pintei no dia de sua morte, tem um pouco o desejo de conservar comigo a presença física de Cy, como se a pintura pudesse ser um simulacro de vida.” Mas, ao contrário de Twombly, Schnabel não vincula as palavras escritas nessas telas à literatura. “É a forma que me interessa, basicamente ela, e o espectador não precisa se preocupar com o sentido, pois eu uso a palavra sem compromisso com a lógica literária, e sim para ativar a percepção de quem vê.”

Sua obra nunca esteve vinculada a um único estilo ou escola. Aos 63 anos, o artista, nascido no Brooklin e criado na fronteira mexicana, já usou materiais insólitos em suas pinturas, de cera a pratos quebrados, passando por gesso, poliéster, veludo e lascas de asfalto (na série Hurricane Bob, em que arrastou telas pelas estradas americanas). Há tempos usa “objets trouvés” como fazia o dadaísta Marcel Duchamp, reciclando o que a sociedade contemporânea rejeita como lixo. Já pintou sobre um telão do teatro kabuki e a lona de um ringue de boxe. São as marcas da história desses materiais que interessam a ele, que acredita na transcendência da matéria, mas não em Deus.

“Definitivamente, não sou um homem religioso, mas isso não quer dizer que desacredite no ser humano, no conceito de justiça e na arte”, diz, lembrando a verdadeira epifania que teve ao ver um quadro de Caravaggio pela primeira vez. Schnabel garante que não poderia viver sem pintar. Sem fazer cinema, sim, embora lembre com carinho do documentário Berlim, realizado em 2008 e que registra cinco noites do concerto ao vivo de Lou Reed no St. Ann’s Warehouse do Brooklin. “Um dia antes de Lou morrer, assistimos a Antes do Anoitecer juntos”, conta. “Foi emocionante.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.