Há 50 anos um pintor de rua, descoberto em 1952 pelo diretor-fundador do Masp, Pietro Maria Bardi (1900-1999), representou o Brasil na Bienal de Veneza, levando para a mostra italiana cenas urbanas de São Paulo que ficaram expostas ao lado das esculturas de Sergio Camargo, das gravuras de Arthur Luiz Piza e pinturas de Ivan Serpa. O artista, Agostinho Batista de Freitas (1927-1997), era um estranho nesse ninho de construtivistas, geométricos e concretos. Era, enfim, o que classificam, pejorativamente, de artista “ingênuo”, “primitivo” ou “naïf”. Esses rótulos, hoje, carecem de sentido, como comprova a exposição Agostinho Batista de Freitas, São Paulo, que o Masp abriga, a partir desta sexta-feira, 9, com curadoria de Fernando Oliva e Rodrigo Moura.
A mostra reúne 74 pinturas de Agostinho, artista hoje presente em acervos importantes, tanto institucionais como particulares. São telas que revelam uma inteligência visual apenas comparável à percepção de um outro pintor de matriz popular, José Antonio da Silva (1909-1996), com notável diferença temática: enquanto o último se dedicou à paisagem rural, Agostinho retratou principalmente o meio urbano e, em particular, a região central da cidade, onde foi descoberto por Bardi.
Bardi gostava tanto dele que mantinha uma de suas telas em seu quarto, ao lado de uma pintura de Paul Klee. Chamava-o de “Utrillo paulista”, referindo-se à proximidade com o pintor francês Maurice Utrillo (1883-1955), conhecido por seus cartões-postais parisienses, em especial do bairro boêmio de Montmartre. Há, porém, poucos pontos que unem a pintura dos dois, exceto pela forma sintética de pintar árvores e a perspectiva distorcida dos prédios (no caso de Utrillo, reforçada por seu alcoolismo). Há exemplos dessa perspectiva invertida na mostra, que pretende inserir o espectador na tela.
Num momento de reflexão sobre seu ofício, o silencioso Agostinho comparou o aglomerado arquitetônico de São Paulo a um cemitério. Relacionou a concentração urbana à morte quando Bardi, passeando pelo centro, descobriu o pintor em plena ação, desenhando em frente ao prédio da antiga Light. Foi quando Bardi encomendou a ele uma vista panorâmica da metrópole. Após liberar sua entrada ao topo do edifício do antigo Banespa, o diretor do Masp promoveu sua primeira exposição individual, na antiga sede do museu, em 1952.
Agostinho era filho de portugueses da ilha da Madeira. Baixinho, monossilábico, morava no Imirim, bairro popular da zona norte de São Paulo, numa casa sem revestimento, ao lado da mulher, dois filhos e um cãozinho bravo chamado Julio.
Órfão de mãe, veio para São Paulo ainda menino, acompanhando o pai, lavador de ônibus. Agostinho aprendeu mecânica, mas virou eletricista. Depois, arrumou emprego numa fábrica de bonecas da Mooca. Foi despedido por desenhar no serviço.
Apesar de sua primeira individual ter sido realizada no Masp, o museu não tinha obras do pintor em seu acervo até 2015, revela o curador Rodrigo Moura, “lacuna que foi sanada com a doação recente de cinco pinturas por colecionadores particulares”. Todas elas integram a retrospectiva do pintor: duas vistas do Masp; uma tela que retrata os edifícios Itália e São Tomás, no centro; uma pintura com o circo Piolim instalado no vão livre do Masp e outra que mostra um grupo escolar.
Moura e Fernando Oliva dividiram a exposição em oito seções, que vão das vistas do Masp da Paulista (Agostinho tinha fixação no prédio) aos edifícios icônicos paulistanos, passando pelas panorâmicas de São Paulo. “É importante destacar uma série de pinturas feita na periferia da cidade, inclusive no Imirim, onde morava”, observa Moura, apontando uma tela que registra uma procissão religiosa no bairro.
Muitas dessas pinturas reproduzem fotos de profissionais destacados, como o francês Marcel Gautherot, caso da via Anchieta vista em perspectiva aérea. “Mas logo ele comprou uma máquina de bolso, modelo Xereta, e passou a fazer as próprias fotos, escolhendo outros cenários além do centro da cidade”, conta o curador Fernando Oliva. Esses cenários são por vezes escuros, expressionistas, como os de Goeldi. Representam, contudo, obras raras de um artista que preferia pintar em cores vivas e dias de céu claro.
AGOSTINHO BATISTA DE FREITAS Masp. Av. Paulista, 1.578, tel. 3149-5959.
3ª a dom., 10h/18h; 5ª, 10h/20h.
Entrada: R$ 30 e R$ 15. Até 9/4.
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.