Tudo começou com uma recusa – convidado a fazer entrevistas para a revista Brasileiros, em 2013, o dramaturgo e escritor Mario Prata aceitou, mas com uma condição: só “falaria” com os mortos, pois dão menos trabalho. O que parecia insólito resultou em crônicas deliciosas, reunidas agora no livro Mario Prata Entrevista Uns Brasileiros (Record), lançado nesse domingo, 28, na Livraria da Vila da Fradique Coutinho.

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O livro reúne 22 conversas, das quais oito inéditas, e que vão de Pedro Álvares Cabral a Xica da Silva, passando por Dom Casmurro, Rui Barbosa e Charles Miller, introdutor do futebol no Brasil. “Eu só sabia o óbvio sobre cada um. O que quis foi exatamente entrevistar a pessoa e não a personalidade. Exemplo: sabemos pouco de Dom João VI. Fugiu do Napoleão, não tomava banho e levava coxinhas de galinha no bolso. Na entrevista, descobri que tinha um masturbador oficial, com salário fixo, pago com o suor dos brasileiros – o nome dele era Francisco de Sousa Lobato, o Chico Lobato, ‘muito competente'”, conta Prata, que fez muita pesquisa, especialmente na internet.

“Para cada novidade encontrada, eu consultava ao menos três fontes”, conta ele, que recebeu vários conselhos valiosos. A historiadora Mary Del Priori, por exemplo, avisou que Carolina, primeira esposa de Dom Pedro I, era sobrinha-neta de Maria Antonieta, e não apenas sobrinha. Já Angela Marques da Costa observou que, na África no século 18, não existiam tribos, mas nações.

“Não fiz as entrevista em ordem cronológica, mas, quando as ordenei assim, percebi que havia feito um levantamento de um detalhe social e principalmente racial do povo brasileiro”, afirma Prata. “Primeiro, foram os portugueses e os índios, depois os negros. E assim foram surgindo os mulatos, os cafuzos, os mamelucos. Quando cheguei no Carlos Gomes, descobri que era filho de português mulato com negra por parte de pai e de branco com índia, por parte de mãe. Estamos quase no final do século 19. Carlos Gomes é a síntese do povo brasileiro. Alisava o cabelo com ferro quente. No final do mesmo século, começam a chegar europeus e asiáticos. Foi aí que desembarcaram os pais de Charles Miller. Ele inglês, ela escocesa. E, com Charles, o futebol que iria consagrar tantos negros e mulatos.”

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Prata garante gostar de todas as entrevistas, mas destaca três: com Anchieta, Charles Miller e Aleijadinho. “O padre tinha 20 anos quando fundou São Paulo junto com Manuel da Nóbrega, mas não queria que a cidade se chamasse São Paulo, porque não curtia o santo. São Paulo era contra qualquer tipo de atividade sexual, mesmo entre casados, que não tivesse por finalidade a procriação.”

A fragilidade de Aleijadinho, por outro lado, comoveu o escritor. “Cheguei a ir até Vila Rica mas, na porta da casa dele, desisti. Pedi a um garoto escravo que lhe entregasse livros de capa dura, para saber que seu trabalho foi imortal.”

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Finalmente, Charles Miller, que lhe explicou os motivos de o futebol ser disputado por onze jogadores. “Ele também foi casado com a genial Antonieta Rudge, a única mulher a ter uma estátua em São Paulo, em Pinheiros.”

Durante suas pesquisas, Prata notou que ainda há muito para ser contado com mais detalhes. Mas sem academicismo, pois “nossos antepassados eram pessoas como nós”. “Dom Pedro I tinha gonorreia e estava mesmo com uma dor de barriga quando proclamou a nossa independência? E quem nunca teve? Principalmente aos 23 anos, que era a idade dele, quando nos libertou dos portugueses.”