Eram dois desejos que buscavam complementação. De um lado, Mariana Ximenes que, depois do grande sucesso na novela Passione, queria voltar ao palco após nove anos afastada. Do outro, Guilherme Weber, um dos fundadores da Sutil Companhia de Teatro, interessado em estrear como diretor solo. A comunhão aconteceu com uma peça de Nicky Silver (o mesmo de “Pterodátilos”), o mais ácido dos atuais dramaturgos americanos: com seu texto “Os Altruístas”, a atriz retorna ao palco (e também estreia como produtora) sob a condução do ator. A temporada começa na sexta-feira (16), no Teatro Augusta.
Não poderia ser um encontro mais explosivo e criativo. Mariana vive Sidney, uma neurótica estrela de novela, que sustenta um grupo de jovens aparentemente engajados em causas sociais. “É coincidência o fato de ela também trabalhar em televisão”, diverte-se a atriz. “Sidney me interessa, na verdade, por pertencer à fantástica galeria de mulheres criadas por Nicky Silver, personagens que levam seu drama à categoria máxima.”
De fato, depois de uma explosiva crise de ciúmes com o namorado, Tony (Miguel Thiré), ela busca auxílio do irmão, Ronald (Kiko Mascarenhas), homossexual tresloucado que, além de liderar o grupo de jovens, é apaixonado por um michê, Lance (Jonathan Haagensen). Conflitos que surgem em meio à verborragia, diálogos disparados – muitas vezes, cuspidos – por pessoas que, em sua aflição, buscam apenas o carinho.
“Atrizes interpretando atrizes sempre foram um grande fetiche de qualquer diretor”, comenta Weber. “E Mariana consegue criar farsa, ironia e paródia de seu ofício, provocando risos ao castigar costumes.”
Ensaios – Quando assumiu a direção de “Os Altruístas”, Weber decidiu que o período de ensaios seria curto – e intenso. “Como se trata de uma comédia que castiga os costumes e também como os diálogos são acelerados, quase cuspidos, senti a necessidade de manter o elenco em uma profunda imersão”, conta ele, que escolheu aquele texto para se manter ligado à dramaturgia de Nicky Silver. “Depois de montar Pterodátilos, percebi que a Sutil Companhia de Teatro tinha encerrado um ciclo e não voltaria mais a seus textos. Assim, propus a encenação de Os Altruístas para a Mariana Ximenes.”
A proposta veio a calhar. Encerrada sua festejada atuação na novela “Passione”, em 2010, a atriz buscou um refúgio cultural em Londres, onde curtiu um bem-vindo anonimato. Mais que descansar, ela se preparava para viver Sydney, a intensa personagem cuja existência é atormentada. “Suas falas são ácidas, ferozes e me oferecem justamente a nova possibilidade de expressão que eu buscava”, conta.
Para que a temperatura em cena nunca abaixasse, Weber decidiu que todos os cinco atores (o elenco é completado por Stella Rabello) permanecessem sempre em cena. “Os personagens criados por Nicky Silver habitualmente sabem distinguir travessura de subversão e, com isso, as cenas são conduzidas de forma a dilatar a neurose para buscar a perversão.”
Como diretor, ele preferiu seguir um caminho contrário ao habitualmente escolhido pelas montagens americanas, que abraçam um tom contido. “Os diálogos de Silver são propositalmente escandalosos, sádicos, criando um universo corrosivo típico desse autor do pós-absurdo.”
Trilha Sonora – O clima já se instaura com a trilha sonora – desejoso de sempre iniciar um espetáculo com a “Balada da Dependência Sexual”, de Bertolt Brecht e Kurt Weill, Weber optou por uma versão gravada por um amigo fraterno, Carlos Careqa. “Nesse momento, o espectador vai conhecer o tom de cabaré da peça.” Para ele, a música não serve como opção de respiro em meio a tantos diálogos. “Como as letras são cantadas em português, as melodias despontam como comentários estéticos às ações. Além disso, Careqa torna o espetáculo mais brasileiro.”
A escolha do elenco acabou criando uma série de referências do diretor. Kiko Mascarenhas, por exemplo, que vive o homossexual Ronald, faz uma homenagem ao cartunista Laerte, que recentemente adotou o crossdressing, ou seja, o fetiche por usar saias. Já a presença em cena de Miguel Thiré, neto de Tônia Carrero, traz um tom levemente irônico. “Ela foi um ícone do teatro, portanto, artista cujo ofício é discutido em cena no papel da atriz de novela.”
Quando se debruçou no trabalho de tradução de “Os Altruístas”, Guilherme Weber se surpreendeu ao descobrir que as palavras de Nicky Silver revelavam sua face obscura. “Ele me colocou em limbos, em patamares impensáveis, que não imaginava revelar. Quando fizemos a primeira leitura do texto, senti uma mistura de vergonha e cumplicidade.” Palavras dolorosamente reveladoras. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.