Maria Rita não precisa mais pedir a bênção para entrar no samba. Isso ela já conquistou há pelo menos dez anos, quando lançou o disco Samba Meu. Mesmo assim, ela gosta de manter o protocolo, os rituais. A cantora lembra que, na época de Samba Meu, Arlindo Cruz, ao seu melhor estilo, lhe aconselhou sem rodeios: “Tudo bem respeitar, mas não precisa respeitar tanto assim. Você já é nossa, já chegou”. Maria Rita se lembra da frase, imitando o jeito de falar de Arlindo. Aliás, a maneira despojada, bem-humorada da cantora está na essência de qualquer sambista. Por isso, talvez, ela tenha essa sensação de pertencimento no meio do samba, que vai muito além da música.
Apesar de ter cantado sambas em seus primeiros discos, foi em Samba Meu que ela, de fato, mergulhou no gênero – e que lhe abriu alas para outros projetos, como o disco Coração a Batucar, o CD e DVD O Samba em Mim – Ao Vivo na Lapa e a turnê Samba da Maria. Agora, no 8º álbum, Amor e Música, que será lançado nas lojas e plataformas digitais nesta sexta, 26, ela não só prossegue sua trilha no samba como se consolida nele. São 12 músicas, a maioria delas inédita, incluindo de autores como Batatinha – espécie de regalo dado pela família do compositor baiano a ela -, do sogro Moraes Moreira, do marido Davi Moraes, de Marcelo Camelo, Carlinhos Brown e Zeca Pagodinho, além de regravações como de Saudade Louca, de Arlindo Cruz, Acyr Marques e Franco, e Amor e Música, outra de Moraes Moreira com Luiz Paiva (que ganhou ainda versão bolero nas plataformas digitais), e a faixa-bônus Cutuca, de Davi, Fred Camacho e Marcelinho Moreira, que já é conhecida dos shows da cantora e da trilha da novela Pega Pega.
Como sua identificação com o gênero se fortaleceu ao longo dos anos, a ideia é seguir a carreira pelo samba? “É difícil projetar, porque sou muito inquieta. E sou uma intérprete. Brinco que sou uma cantadora de histórias. A minha relação com o samba passa por uma questão de relevância, de entendimento do que é o meu instrumento, a identificação com as melodias, com a poesia do samba. Então, o samba me serve, serve ao meu instrumento”, ela explica, ao Estado. “Não adianta eu gritar para os quatro cantos do mundo: eu sou uma p… cantora e não ter uma música que sirva a esse instrumento. Acho que entendi isso durante o Redescobrir, aquele repertório com músicas da minha mãe (Elis). Sempre fui muito sirvo à música, sou grata à musica, devo a vida à musica. O movimento era muito mais nesse sentido, e passei a entender que a música tem que me servir também.”
Lançar um disco agora não estava nos planos de Maria Rita. No ano passado, ela fez grande show em São Paulo, em comemoração aos 15 anos de carreira, que seria registrado em DVD, com algumas canções inéditas. Mas o projeto não foi adiante. “A gente esbarrou numas questões de pós-produção técnicas, não valia a pena o esforço para tentar entender como aquilo poderia ser resolvido”, lamenta. A decisão de partir para um disco, no entanto, não foi imediata. “Teve um luto, um sofrimento”, diz. “Porque você entrega muito, criativamente inclusive.”
Foi-se o projeto, mas as músicas inéditas ficaram. O que não necessariamente ajudou a dar um norte para um novo trabalho. Mas, com o tempo, Maria Rita reconsiderou aquelas canções e elas entraram no álbum que a cantora lança agora: Nos Passos da Emoção, Amor e Música, Cadê Obá, Reza e Pra Maria. E os amigos, sem pestanejar, embarcaram na nova empreitada. Pretinho da Serrinha assina como coprodutor – a produtora é a própria cantora -, além de oferecer sua música, Reza, que ele já havia registrado, para a amiga gravar. Davi Moraes, filho de Moraes Moreira, aparece assinando várias composições, com amigos do casal, como Fred Camacho e Marcelinho Moreira. O arranjador Wilson Prateado mostra um trabalho precioso, como no clássico Saudade Louca, dando fôlego renovado a um sucesso tantas vezes gravado. “É um disco muito familiar, é muito amigo, é dentro de casa”, conceitua ela.
Amor e Música, o disco, mostra ainda a atuação de diferentes gerações de compositores no gênero. Muitas vezes, a distância da parceria foi encurtada por trocas de mensagens e áudios pelo WhatsApp. Em outras, o encontro não foi planejado. Caso da parceria de Arlindo Cruz e Davi Moraes, em Cara e Coragem. Pensada originalmente como blues por Davi, a canção virou samba após Maria Rita perceber o potencial “popular” dela – e Arlindo entrar na parceria. Dias depois de os dois terminarem a música, o veterano sambista sofreu um AVC – do qual ainda está se recuperando.
Transitando do samba cadenciado ao de quadra, das canções de amor às dores da saudade, o novo disco tem um fio condutor nítido para Maria Rita: a canção Amor e Música, um lado B de Moraes Moreira (do disco Cidadão, de 1991), gravado agora como um samba. “Essa música explica o que é minha vida, é o que move meu ser: é o amor e a música. Amor pelos meus filhos, meus amigos, pelas pessoas que me escolhem no trabalho, é uma mensagem de muita esperança, muito singela”, pondera a cantora. “Acho que ela tem essa coisa do fio condutor, até por conseguir migrar de um universo para outro com essa facilidade, essa força.”
Faixa a faixa, por Maria Rita
Chama de Saudade
(Davi Moraes/Fred Camacho e Marcelinho Moreira)
“Eles escreveram em um dia. E no arranjo que o Prateado fez na parte é vendaval, é calmaria, até parece a noite não ter fim, ele vai dando uma tensão”
Nos Passos da Emoção
Davi Moraes/Moraes
Moreira/Marcelinho
Moreira/Fred Camacho)
“Os três mandaram para o Moraes fazer a letra. Fred é Salgueiro, Marcelinho é Beija-Flor, Moraes é Bahia e Davi é Rio. Moraes, por WhatsApp, escreveu estrofes inteiras”
Saudade Louca
(Arlindo Cruz/
Acyr Marques/ Franco)
“É um clássico. Foi pela beleza mesmo dela, olha essa letra, essa poesia”
Cara e Coragem
(Davi Moraes/Arlindo Cruz)
“Davi me mostrou um blues que tinha composto. Falei para ele: é linda, exceto que não é um blues, é um samba. Disse para ele mandar para o Arlindo Cruz (colocar letra)”
Amor e Música
(Moraes Moreira/Luiz Paiva)
“Davi sempre a tocava em estúdio. Um dia, pedi para ele tocar em samba. Fiquei arrepiada. Ela não é um samba, é MPB bolero, mas vira samba e explica tudo”
Cadê Obá
(Carlinhos Brown/Davi
Moraes)
“Davi gravou o áudio, guitarra e voz, para mandar para o Brown. Mandou o som, a fonética, não tinha letra. Brown fez a letra em cima dos sons que o Davi tinha feito. Demais!”
Reza
(Pretinho da Serrinha/Nego Álvaro/Vinicius Feyjão)
“Pretinho já tinha gravado. Ouvi umas 7 vezes seguidas, não conseguia parar. Um dia, ele me ligou e disse: irmã, essa música merece ganhar o mundo, pega para você”
Nem Por Um Segundo
(Zeca Pagodinho/Fred
Camacho)
“A pedido do Fred, o Zeca escreveu a letra. O Fred é muito envolvido com essa turma de fundo de quintal”
Pra Maria
(Marcelo Camelo)
“Essa foi encomenda. Falei para o Marcelo: não posso fazer um projeto sem ter você. Dois dias depois, ele me mandou”
Samba e Swing
(Batatinha)
“É inédita. A família do Batatinha falou para um amigo do Davi que queria mandar uma música para mim. É um presente carregado de uma emoção tão pura. É muito maluco parar para pensar que a família do Batatinha pensou em mim para essa música”
Perfeita Sintonia
(Fred Camacho/Marcelinho Moreira/Leandro Fab)
“Essa música me serviu muito bem, tem um refrão que vai pra cima, é agudo demais”
Cutuca
(Davi Moraes/Fred Camacho/Marcelinho Moreira)
“Está há 2 anos no show Samba da Maria, está gravada desde o início do ano passado, porque entrou na novela Pega Pega. Então, como já tem uma história, coloquei como faixa-bônus”
Serviço
Maria Rita
Amor e Música
Universal Music; R$ 35
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.