Para comemorar seus 40 anos de carreira, Maria Alcina poderia recorrer ao mesmo modus operandi de boa parte dos colegas que celebram datas redondas em suas trajetórias: regravações de sucessos. Mas isso não condiz com o perfil de uma artista que sempre transgrediu e nadou contra a corrente desde sua aparição em 1972, quando lançou Fio Maravilha no último Festival Internacional da Canção. Com o CD De Normal Bastam Os Outros, que ela lança nesta sexta-feira, 14, no Sesc Belenzinho, a cantora se reconecta ao seu passado sem ranços nostálgicos.
A voz grave, o gestual ousado e a figura que mescla masculino e feminino continuam em ebulição, a serviço de canções inéditas feitas sob medida por nomes tão significativos quanto diferentes entre si, como Zeca Baleiro, Arnaldo Antunes, Karina Buhr e Anastácia. Parte deles de uma geração posterior à de Alcina. E todos souberam captar o espírito de festa que sempre a caracterizou. Um alento para quem teve sua carreira prejudicada tanto pela ditadura militar, que em 1974 a censurou por “atentado contra a moral e os bons costumes da família brasileira”, quanto por um mercado fonográfico que não soube aproveitá-la. Em quatro décadas de carreira, lançou apenas oito álbuns.
Alcina diz que, com uma trajetória tão longa, porém irregular, prefere olhar para a frente, sem deixar de ser a mesma que o Brasil conheceu ao subir ao palco do Maracanãzinho para defender a música do então Jorge Ben. “O momento é que mudou. A gente vivia em uma ditadura e hoje está em uma democracia. Eu continuo a mesma. Mas não fico pensando se hoje me entendem melhor. Eu gosto é de fazer show e ver aquelas carinhas me olhando. Pensando bem, acho que isso é o verdadeiro entendimento, as pessoas vendo que quero ir para a frente e indo comigo.”
Houve também a compreensão do produtor Thiago Marques Luiz, responsável pela ideia e pelo repertório do disco. Ele diz que, com as características de Alcina, não havia sentido em recuperar canções antigas para o álbum comemorativo. “Alcina está cantando como nunca, tinha que dar voz a bons compositores que ela não havia gravado. A gente tinha que comemorar o presente, porque ela nunca deixou de ser o que é”. Marques abriu o selo Nova Estação, distribuído pela Gravadora Eldorado, empresa do Grupo Estado, para lançar o álbum, idealizado há dois anos. “A Lua Music se comprometeu a lançá-lo, assim como o novo álbum de Ângela Maria e Cauby Peixoto, mas eles não honraram o compromisso. Tive que bancar tudo. Pra mim, o lançamento do álbum da Alcina é um gesto de amor”.
Havia também a vontade de pescar pérolas esquecidas de compositores que fazem parte da história de Alcina. Sem Vergonha, feita especialmente para ela em 1992 pelo já Ben Jor, foi lançada sem repercussão em Bucaneira. O arranjo pobre da gravação original é substituído por uma pulsação vigorosa a cargo de Rovilson Pascoal, diretor musical do CD, guiada pelo trompete de Guizado. Este também participa de O Chefão. A música de João Bosco e Aldir Blanc, dupla que forneceu Kid Cavaquinho, à cantora, foi registrada apenas uma vez por Marlene no álbum do show Te Pego Pela Palavra (1974).
Outro tipo de conexão, não musical, surpreendeu Alcina. Uma página no Facebook criada e administrada por um amigo seu e por Marques passou a receber pedidos de CDs e shows desde que o álbum chegou às lojas. “Pessoas de vários lugares mandam mensagens, está uma loucura”, afirma a cantora, que confessa não saber usar a internet, mas se conscientizou de que a rede tem papel fundamental para o artista nos dias de hoje
No show de hoje, a cantora receberá Guizado, Karina e Anastácia. Cada um participa de duas músicas. Os sucessos não ficarão de fora. Os ingressos já estão esgotados, mas quem não comprou terá outra chance de ver Alcina em breve. Ela se apresenta no Sesc Pompeia no próximo dia 2, domingo de carnaval. O repertório terá acréscimo de marchinhas carnavalescas.
A cantora ainda negocia uma participação no musical Eu Vou Tirar Você Desse Lugar – As Canções de Odair José, que estreia em maio em Brasília. O papel que lhe cabe é o de uma cafetina. “Com tudo isso que está acontecendo, eu tenho a mesma sensação de quando lancei Fio Maravilha. Não sei o que é, só sei que sinto”, diz Alcina. Se depender dela, 2014 será um tempo de folia. Que não será interrompida por forças políticas ou mercadológicas. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.