Causa estranheza a Marco Ricca que seu Mão de Luva, adepto da justiça com as próprias mãos, seja tão bem quisto pelo público da novela das onze da Globo. Entende que esse tal Robin Hood da Inconfidência Mineira pudesse ser bem-aceito naqueles tempos de barbárie em que viveu, mas, hoje, soa assustador. Pois é. Apontado em pesquisa realizada pela Globo como um dos personagens de maior empatia de Liberdade Liberdade, o bandoleiro ganhará até uma websérie na Globo Play e no site GShow, plataformas sob demanda via internet. A Lenda do Mão de Luva estreia nesta sexta, 5, logo após o fim da novela, com oito episódios de 7 minutos cada, com texto de Tarcísio Lara Puiati e supervisão de Mário Teixeira, autor titular da novela da TV.

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Gravando em ritmo intenso, Marco conversou com a reportagem no trajeto entre sua casa e uma das locações que lhe servem de cenário, um sítio, no Rio.

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Mão de Luva nem constava na versão de Márcia Prates, autora do argumento que deu origem à novela de Teixeira. De uma franqueza rara, avalia a receptividade ao caráter de justiceiro do personagem, celebra o retorno do público a Chatô, filme protagonizado por ele, e pondera suas restrições às redes sociais. Só não quer falar do episódio do irmão, Giuliano Ricca, desaparecido há quase dois anos, que equivale a um doloroso processo de busca para a família.

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Como surgiu o sotaque mineirinho do Mão de Luva?

Não teve uma coisa muito prévia de pensar em fazer sotaque. A primeira ideia era tentar tirar o nosso sotaque original. Eu sou muito paulista, o outro é muito carioca, e aí fomos brincando. De repente, foram gostando. Foram dando risada, pelo menos. É engraçado, as pessoas dizem: ‘ah, você está com sotaque mineiro perfeito’. Não tem nada de perfeito no meu sotaque. Esse sotaque que a gente conhece hoje de mineiro é dos tempos atuais. Essa coisa do Guimarães (Rosa) influencia muito. A sonoridade veio porque eu não aguentava mais a minha voz, não aguentava mais ouvir esse grave. Aí, fui brincando num outro registro, para me ouvir de outro jeito.

Mão de Luva de fato existiu. Mário disse que há tempos pensa em escrever sobre ele.

Eu ia até te falar isso: eu ia fazer o Tiradentes (que ficou com Thiago Lacerda). Cheguei a fazer a cabeça (molde) do Tiradentes. Foi quando entrou o Mário, ele mudou tudo e refizeram os personagens de todo mundo.

Parece que o Mão de Luva existiu mesmo, mas tudo que tem sobre ele é um pouco suspeito, a história não é muito categórica. Mas o Mário foi para qualquer lado e eu também. Adoro destruir essas coisas. Acho que ter essa tentativa de compromisso histórico cerceia muito a ficção. E o texto é muito bom.

Como vai ser esse spin-off (derivado) da novela?

Não sei até onde posso te falar. Parece que só eu recebi os capítulos, parece um segredo de Estado (risos), como se fosse uma confissão do Temer, parece que o (Eduardo) Cunha gravou o Temer – já pensou? Isso dá uma esquete (risos). São oito episódios pequenos feitos obviamente às pressas. Eu adoraria que a gente tivesse mais tempo. É quase um longa-metragem em seis dias, uma loucura. A série mostra como ele começou essa vida de bandoleiro, como perdeu a mão. Vamos começar a gravar pelo fim da série, que é a idade em que eu estou, e depois tentar tirar a barba para fazer ele jovem. Não sei se vamos conseguir, tem que entrar no ar no dia seguinte ao fim da novela. Acho que é um tiro no pé estrear na abertura da Olimpíada, mas isso não me diz respeito.

Como surgiu a ideia da série?

Não sei se é fruto de uma pesquisa ou iniciativa da empresa, me comunicaram. Tomei um susto, estou cansado. Esse deslocamento todo, eu gravo desde dezembro em externa, então não rende. Passo o dia para fazer uma história de um minuto. Fico vendo a novela, eu nunca estou na novela (risos): ‘pô, mas eu gravo tanto!’, digo. É sol, as roupas pesam, cansa. Agora é dar esse tiro final aí, que a gente podia mudar esse negócio de ‘spin-off’ para ‘tiro final’. A série tem personagens novos e personagens que já existiam. A Maitê (Proença) participa, o Gabriel Palhares (menino Caju), o Nikolas Antunes, a Olívia Araújo e tem também o Felipe Camargo e a Carol Castro, que fazem personagens muito legais. Para mim é novo, nunca fiz nada direto para internet.

Há uma geração que já não liga a TV. Esses novos hábitos afetam o trabalho de vocês?

Olha, se eles não correrem atrás de mim, eu não vou correr atrás deles. Não tenho nem rede social. Eu estou aí, vou continuar trabalhando, os veículos vão se alterando.

Não ficam te pressionando para entrar no Facebook?

Ficam. Entrei no Facebook para lançar meu filme, que eu dirigi, dois anos atrás. Era só o negócio do filme. Mas aí começaram a mandar mensagem e eu não retornava. Aí, começaram a me xingar e eu disse: ‘pô, não vou mexer nesse negócio’. Realmente não tenho aptidão e não sobra tempo. Você não lê um livro, acaba a vida. Eu vejo pelo meu filho (Felipe, 16 anos). Meu filho lia muito, hoje lê menos por causa disso.

Como tem sido a repercussão de ‘Chatô’, que chegou à Netflix?

Tem um retorno muito grande, é impressionante como assistem, é direto isso: ‘Vi o Chatô’. Não só esse, mas tenho muito mais retorno de cinema que TV. Estou tendo agora um retorno enorme com o Mão de Luva, realmente pegou.

E as pessoas têm uma simpatia por ele, não?

Adoram. É inacreditável. O cara vai lá e mata alguém a pauladas e é adorado. Houve uma pesquisa aí da Globo e, entre outras coisas, falaram que não acham que ele seja um assassino, acham que ele é um cara justo, que mata só quem merece, inclusive isso é uma coisa reiterativa no texto. De certa forma, numa época de barbárie como aquela, dá para compreender. Agora, hoje, não dá para compreender. A verdade é que tem um sentimento de justiçamento na sociedade, hoje, adorariam que houvesse uns Mãozinhas de Luva por aí. Isso é muito louco, não é uma ideia com a qual eu compartilhe. Dá para ver em que grau a sociedade hoje é favorável ao justiçamento, parece que não confiam muito na Justiça, nos meios para que a Justiça se efetive, esse olho por olho dá um medo danado. Isso existe cotidianamente no País, tem tribunal a toda hora nas comunidades, os caras julgam e matam. Ao mesmo tempo tem os bordões, o ‘cagalhão’, ‘o Simão’ (reproduz a voz do Mão de Luva). Isso virou um bordão interno e na rua também.

Há quase 20 anos, quando falamos de ‘Chatô’, citei que você aplicava no seu ofício uma máxima de Chateaubriand: “Quem quiser ter opinião que compre um jornal”, já que fugia de contrato fixo com a Globo para fazer suas escolhas. Isso mudou?

Passei a ter contrato longo com a Globo sabe quando? Quando nasceu meu primeiro filho. Nasceu o filho, numa discussão com a mãe (Adriana Esteves), fui lá e assinei. Não sei até onde isso vai. As coisas estão mudando, faz parte do momento, mas ainda tenho mais um tempo de contrato fixo. Ao mesmo tempo, isso me permitiu fazer muito cinema e, muito por causa da Rede Globo, eu consegui fazer os filmes mais alternativos, as peças mais loucas, porque eu tinha uma guarida financeira para segurar as contas. Então, foi meio que um mecenato também. Para mim foi sensacional.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.