Marco Dutra é destaque na 17.ª Mostra de Tiradentes

Quando garoto, Marco Dutra adorava os livros de Stephen King. Depois, veio a fase dos filmes de terror. Via Jason, Freddy Kruger. Os pais reclamavam de tanta m… Ele achava ‘bacana’. E tinha mais – Dutra foi um menino e adolescente tímido, cheio de medos. Aquela fase estava gestando o futuro cineasta. A família evoluiu na pirâmide social. Mudou-se de casa. Justamente, a casa. Hoje, ela é parte importante na estética de filmes como Trabalhar Cansa e Quando Eu Era Vivo. O primeiro levou Marco Dutra a vários festivais internacionais. O segundo abriu, na sexta-feira, a 17.ª Mostra de Tiradentes, integrando a homenagem ao ator Marat Descartes.

Dutra é capaz, hoje, de detalhar o plano da velha casa familiar, com suas áreas ‘proibidas’. Havia o canto do pai, que lhe era interdito. Em Trabalhar Cansa, ele criou uma casa com uma mancha, como uma chaga que ia agindo sobre os personagens. O terror adquiria dimensão social, abordando temas como desemprego e exclusão. Em Quando Eu Era Vivo, baseado no romance de Lourenço Mutarelli, um filho perturbado volta para a casa paterna. Há esse quartinho cheio de tralhas. Ao liberar os objetos, o personagem de Marat – Júnior – na verdade vai dar vazão à sua loucura. Há o fantasma, onipresente, da mãe. Posto que Dutra amava (ama?) Stephen King, é a mãe de Carrie.

Quando Eu Era Vivo estreia sexta nos cinemas de todo o País. Mais uma incursão do cineasta pelo fantástico – pelo terror. Como cinema, vai um passo adiante de Trabalhar Cansa, mas o repórter tem de admitir para o diretor. Mesmo admirando ideias de mise-em-scène, cenas bem feitas – e Sandy, que é uma bela surpresa, num bom papel -, o repórter não viaja na loucura dos personagens. Dutra acha ‘normal’. Conta – “Fui ver Azul É a Cor Mais Quente à procura da emoção que todo mundo dizia ter encontrado no filme de Abdellatif Kechiche e me frustrei. Não senti nada.”

O cinema é, acima de tudo, uma experiência subjetiva. Espectadores sentados próximos podem vivenciar emoções radicalmente opostas. Dutra não faz segredo de sua homossexualidade. Não é nenhum Woody Allen, obcecado por análise, mas também já se analisou. Buscava entender até que ponto o sentimento de se sentir diferente tinha a ver com seus medos de infância e adolescência. O que ele sabe é que aqueles livros e filmes o perturbavam. E Jason, cravando sua lâmina, o ato de perfurar, era obviamente sensual. Que ninguém pense que é maluco, tarado. Dutra é um artista. Sensível, inteligente. Busca no cinema de gênero não só sua comunicação com o público, mas também a riqueza metafórica.

Anos atrás, o produtor Rodrigo Teixeira o contactou para adaptar, como roteirista, um livro de Lourenço Mutarelli, de quem é amigo (o produtor). Para entender melhor o universo do autor, Dutra pesquisou seus quadrinhos e romances. Gostou demais de A Arte de Produzir Efeito sem Causa e o disse ao produtor, mesmo ressaltando que seria difícil de adaptar. O projeto do outro Mutarelli não saiu, mas agora que O Cheiro do Ralo e Natimorto, os filmes de Heitor Dhalia e Paulo Machline, ficaram para trás, Teixeira retomou o contato com Dutra, propondo-lhe – “E que tal se a gente fizesse…?” Ele não precisou pensar duas vezes. Tal foi a gênese de Quando Eu Era Vivo.

Em 2011, Dutra estava coescrevendo o roteiro com Gabriela Amaral Almeida. Em 2012, filmou e, no ano passado, fez a montagem e a finalização. Considera que foi tudo rápido, apesar de certos percalços ligados à questão do patrocínio. Para ele, Quando Eu Era Vivo retoma a parábola do filho pródigo – que encontra a mãe de Carrie, acrescenta o repórter. Ele acha graça – a mãe de Carrie, na sua perturbação, é uma grande personagem. O que a mãe de Quando Eu Era Vivo faz com os filhos? Você vai ver. Marat Descartes conta que se inspirou no Jack Torrence de Jack Nicholson em O Iluminado, de Stanley Kubrick, que Stephen King detesta, e Dutra entende por quê. “Ele queria que o Jack fosse um sujeito comum que enlouquece, mas o Nicholson já chega maluco àquele hotel.” Feita a ressalva (de King), Dutra reconhece em O Iluminado o clássico que é. Pode-se objetar o desenho inicial de Júnior – vamos ser objetivos: aquela peruca -, que já predispõe o espectador, mas Quando Eu Era Vivo pode fazer, de mercado e de crítica, o rebuliço deste verão que está sendo marcado pelo megassucesso de Até Que a Sorte nos Separe 2 nos cinemas brasileiros.

O longa de Roberto Santucci com Leandro Hassum atingiu 3,5 milhões de espectadores em um mês. Tem fôlego para chegar mais longe.

Quando Eu Era Vivo é uma aposta. Quanto público terá? Ninguém pode prever, mas Trabalhar Cansa foi uma surpresa para o próprio diretor. Até as plateias estrangeiras entraram no clima. “Não sou um cara engraçado, mas sei que tenho humor. E o humor está presente em Quando Eu Era Vivo, com o elemento fantástico. Sei disso porque, nas pré-estreias já estou tendo resposta do público.”

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo