Ao contrário da Bienal de Istambul, marcada pelo excesso, a exposição Habitants, do fotógrafo paulista Marco Alves, de 51 anos, tem apenas uma única foto, escolhida entre mais de 30 imagens de seu livro homônimo, lançado nesse sábado, 12, na abertura da mostra, na Galeria Fass. A curadora, também fotógrafa, Rosely Nakagawa, justifica numa frase o conceito da exposição da foto única: “Vivemos numa época saturada de imagens, em que se enxerga menos cada vez mais”.

continua após a publicidade

A foto em questão é a de um cacto na Serra da Canastra, lugar de peregrinação de Marco Alves, que já lançou outro livro com fotos da paisagem local, Opará – Onde Nasce o São Francisco (2013). A exemplo de Habitants, o livro anterior é uma produção independente do fotógrafo sem nenhum incentivo governamental. Professor de engenharia elétrica na Unicamp, Alves, nos últimos dez anos, já rastreou os 70 quilômetros do Parque Nacional da Serra da Canastra, sempre com sua Nikon D 800-E a tiracolo, tendo como guia Dorico Leite Simões, que lá nasceu e conhece bem a região.

Não é o primeiro – e, provavelmente, nem o último – fotógrafo a se debruçar sobre os mistérios dos cactos, alguns com substâncias psicoativas tão fortes que são considerados sagrados (como o peyote mexicano). O americano Lee Friedlander, que completou 81 anos, até produziu um livro (The Desert Seen, 1996) sobre os cactos gigantescos (o sagaro, que chega a alcançar 15 metros) do deserto de Sonora, no Arizona, único lugar do mundo onde eles crescem.

Em comum com Friedlander, Marco Alves diz que tem a “obsessão de voltar sempre ao mesmo lugar” – no caso, a serra da Canastra, de onde saíram todas as suas imagens (em preto e branco, traçando uma correspondência tonal com o cromatismo original no processo de impressão, a cargo de Ricardo Tilkian). O resultado é a individuação da população vegetal, que se assemelha a seres de existência efêmera – daí o título da mostra, Habitants.

continua após a publicidade

“Escolhi especificamente o cacto da exposição porque ele parece ter personalidade”, justifica a curadora da mostra e organizadora do livro, acrescentando que o registro da paisagem por Alves é mais a busca de um território interno por meio da simbiose com a natureza que uma tentativa da imagem perfeita, como na tradição de Ansel Adams”, preferindo associá-lo à mexicana Graciela Iturbide e ao americano Edward Weston, dois renomados profissionais que também fotografaram cactos. Agora, Alves se prepara para um novo desafio: fotografar pessoas. Também na Serra da Canastra e guiado por Dórico.