O cenário não parece ser dos mais favoráveis. Mergulhado em uma crise econômica sem precedentes, o Japão tem visto nos últimos anos diversos setores de sua indústria fecharem as portas. Menos um: a sua fantástica fábrica de mangá, que leva às ruas, por ano, mais de 1 bilhão de exemplares de revistas em quadrinhos.
Seu embaixador no mercado internacional atende pelo nome de Akira Toriyama. Criador de séries como “Dragon Ball” -que, só no Brasil, vendeu cerca de 6 milhões de edições em dois anos- e “Dr. Slump”, ambas publicadas aqui pela Conrad, o quadrinista japonês volta às prateleiras com “Mangaka: Lições de Akira Toriyama” lançado agora pela editora paulistana, com (ousada) tiragem inicial de 15 mil exemplares.
Em formato de HQ, ou melhor, de mangá (que exige leitura da direita para a esquerda), “Mangaka” é resultado da série de mesmo nome publicada pelo autor na revista “Shonen Jump”, da Shueisha Inc., a mesma que trouxe ao mundo outro fenômeno de vendas, a série “Cavaleiros do Zodíaco”. Funciona como um tutorial, que se apóia no humor e na própria linguagem do mangá para explicá-lo tanto a aspirantes a mangaka (desenhistas de mangá, em japonês) quanto a leitores e entusiastas do estilo imortalizado por Osamu Tezuka, pai do personagem “Astro Boy”.
Lição número um: nos mangá é sempre bom exagerar. Incorpore ao personagem o máximo possível de acessórios. Outra dica: todos os personagens de mangá devem ter obrigatoriamente um ponto fraco. E, entre outros ensinamentos mais técnicos, como o manejo correto da pena e o uso de recursos de movimento e de perspectiva, Toriyama revela o “segredo supremo” de sua arte: o mangá deve descrever o ser humano.
“As grandes editoras japonesas fazem quinzenal ou mensalmente pesquisas de mercado para definir o que o público quer na história”, diz a professora de pós-graduação da Unisantos e doutora em HQ pela Escola de Comunicações e Artes da USP Sonia Luyten, 54. “E o desejo dos leitores acaba por se traduzir em personagens que inspirem perseverança, força moral, sonhos e, nos casos dos mangá adultos (hentai), a vontade de contornar a rigidez e o autoritarismo da sociedade japonesa pelo viés sexual.”
Além do público-alvo -existem revistas para crianças em fase de aprendizado (shogaku), para rapazes (shonen), para meninas (shojo)-, o artista tem de ter em mente o sólido tripé que sustenta essa indústria: quadrinhos, animação (anime) e videogames.
Daí a profusão de acessórios, como bem explicita Toriyama, de frases de efeito e de personagens “fofinhos” que povoam histórias como “Pokemón” e outras. “É uma enorme bola de neve. Grande parte do que a indústria lança se transforma em merchandising”, diz Luyten, que é também autora de “Mangá: O Poder dos Quadrinhos Japoneses” (Edras).
O quadrinista brasileiro Fábio Yabu, 23, conhece bem esse caminho. Quando criou para a internet em 1998 a história “Combo Rangers”, Yabu aproveitou não só o traço dos quadrinhos japoneses como a sua característica de falar ao universo do leitor. Publicada em formato de revista dois anos depois pela JBC, a história lhe rendeu três prêmios HQ Mix. “Acho que [o livro “Mangaka…]” pode ser muito útil. O que não pode é as pessoas começarem a usá-lo como muleta ou vamos ter uma série de “toriyamas” no Brasil.” (Diego Assis, da Folha de São Paulo)
MANGAKA: LIÇÕES DE AKIRA TORIYAMA
Autor: Akira Toriyama e Akira Sakuma
Editora: Conrad
Preço: R$ 17,90 (192 págs.).