Há 30 anos a Rede Manchete de Televisão entrava no ar. No dia 5 de junho de 1983, às 19 horas, um top de 8 segundos colocava no ar a “TV do ano 2000”. Os 16 anos em que esteve no ar a credenciam para ocupar um papel importante na história da televisão brasileira.
Para entender o que a Rede Manchete representou, o Paraná Online conversou com um especialista em televisão. Jornalista diplomado, Sergio Mattos é mestre e doutor em comunicação pela Universidade do Texas e professor da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB). Também é autor de 44 livros, entre eles “A Historia da Televisão Brasileira: uma visão econômica, social e política”.
Paraná Online – Muitos telespectadores saudosistas se referem à Rede Manchete como inovadora. A emissora realmente quebrou parâmetros da televisão da época?
Sérgio Mattos – Com investimentos pesados no “Projeto Televisão de Primeira Classe” para toda a sua programação, a Rede Manchete de TV, com programas específicos, chegou a quebrar a audiência hegemônica da Rede Globo em alguns horários e nada mais. Exemplo disso foi o caso da telenovela “Pantanal. Devo ressaltar que usando imagens apuradas e trabalhadas esteticamente, a Manchete realmente deu grandes contribuições à evolução da televisão em nosso país. Também me incluo entre os saudosistas devido aos bons programas jornalísticos a exemplo de “Documento Especial: Televisão de Verdade”, apresentado por Roberto Maya e dirigido por Nelson Hoineff. A Manchete apresentou em seu primeiro momento uma programação muito elitista, mas era uma programação de qualidade, de credibilidade, criatividade e muita ousadia para a época. O Jornal da Manchete, como outro exemplo, contribuiu para mudar a estrutura do telejornalismo brasileiro praticado na época, pois além das notícias nacionais, internacionais e esportivas do dia-a-dia, apresentava também reportagens e informações sobre cultura e espetáculos. Na parte técnica, ela inovou também no que diz respeito à qualidade do áudio, sendo a primeira emissora a utilizar oficialmente, a partir de 15 de abril de 1987, a transmissão de som estéreo.
Paraná Online – Qual é a importância do que foi produzido pela Rede Manchete para a história da televisão brasileira?
Sérgio Mattos – Dentro do contexto histórico nacional, tanto a Rede Manchete como a SBT surgiram com o fim da Rede Tupi, que foi dividida entre os grupos de Adolpho Bloch e Silvio Santos. A importância histórica das duas começa com a decisão do governo de cassar os canais da Tupi e redistribuí-los por dois novos grupos com o objetivo de tentar impedir o monopólio ou a polarização da audiência e de oferecer novas alternativas ao público brasileiro. A criação do Núcleo de Dramaturgia da Manchete em 1984 contribuiu para ampliar o mercado de atores e autores brasileiros. A decisão de apostar na programação infantil, que deu bons retornos, de audiência e comercial, consolidou uma das maiores apresentadoras de programas infantis do Brasil, que é a Xuxa e de sua sucessora, Angélica. Foi a Manchete também quem profissionalizou a transmissão ao vivo dos desfiles das Escolas de Samba do Rio de Janeiro para todo o Brasil, a partir de 1984, quando da inauguração do Sambódromo da Marquês de Sapucaí.
Paraná Online – A diretriz adotada por Adolpho Bloch no slogan “TV de Primeira Classe”, durante a década de 1980, contribuiu para a primeira crise da emissora no início dos anos 1990?
Sérgio Mattos – Trata-se de uma questão complexa e que envolve inúmeros ,detalhes. No entanto, a resposta direta para a primeira pergunta é sim. A história meteórica da Rede Manchete de Televisão foi sempre cheia de altos e baixos desde o início, mas suas três fontes de renda básicas estavam concentradas no sucesso da teledramaturgia, nas atrações e jornalísticos e nos programas infantis. Caso algum desses setores desse lucro, obtinha-se fôlego para continuar investindo. Mas as telenovelas da Manchete foram em alguns momentos, ao mesmo tempo, a tábua de salvação, dando sobrevida de investimentos à emissora, e também responsáveis por grandes prejuízos, empurrando a emissora ladeira abaixo.
Paraná Online – A Rede Manchete cresceu em audiência ao buscar ser mais popular ou se tornou uma alternativa à Rede Globo?
Sergio Mattos – A busca de programas mais populares não se torna uma alternativa à Rede Globo, pois todas as redes transmitem uma quantidade enorme de programas que sempre se apresentam como alternativa a um outro. O que houve na verdade, e isso vale para todas as redes, inclusive a Globo, foi uma tentativa de se atrair novas audiências com o objetivo de se obter lucro com isso. No caso da Manchete, só a classe A não daria para lhe sustentar os grandes investimentos na produção e havia necessidade de que pelo menos um dos três setores (novela, infantil e jornalismo) desse retorno suficiente para garantir a existência de novas produções. A história da Rede Manchete é cheia de exemplos específicos disso: um programa deu certo, houve faturamento, ótimo, já tinham recursos para novos investimentos e novas produções. O grande problema da Manchete, portanto, pode-se dizer, foi de gerenciamento, o modelo de administração adotada que a levou a contrair empréstimos e a aumentar sua dívida. Outro erro de decisão foi sempre concentrar todos os investimentos em uma única atração que estivesse dando certo.