O que vemos de início é o trabalho cotidiano de Lee Chandler, uma espécie de faz-tudo de um condomínio em Boston. Tapa vazamentos e desentope pias. Mantém perfil discreto e distante em relação a moradores e ao chefe. O filme de Kenneth Lonergan entra aos poucos na vida desse personagem, interpretado em registro discreto por Casey Affleck.

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Ora, discrição será tudo para o filme. Se existem obras que optam pelo excesso, esta se volta para a contenção. Até mesmo na maneira de contar a história, administrar as idas e vindas no tempo, debruçar-se sobre conflitos particulares entre personagens, até se aproximar, aos pouquinhos, do seu centro de gravidade. Aquele que, até certo ponto (mas apenas em parte), “explica” o personagem Lee Chandler e seu comportamento.

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Essa estrutura em espiral pede certa paciência ao espectador. Atitude que será recompensada pela delicadeza e profundidade dedicadas ao tema central – o que fazer de uma dor que não passa, como levar a vida adiante após um trauma sem possibilidade de assimilação? Em torno desse núcleo tudo vai girar. Mas ele não será dito em palavras, senão nas partes finais da obra.

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Como sempre, há um acontecimento que mexe com a vida em aparência estável do protagonista. Lee recebe a notícia de que seu irmão (Kyle Chandler) morreu. Precisa voltar para sua terra natal, Manchester, para o enterro e também para cuidar do sobrinho, Patrick, que na prática ficou órfão já que a mãe havia se divorciado do marido e casado com outro homem, de outro lugar.

Há assim, as camadas narrativas que vão sendo abertas, e permitindo entradas na vida familiar daquele homem. Há a relação complicada de Lee com o sobrinho Patrick e que, a princípio não a entendemos muito bem. Ambos, adolescente e adulto, são pessoas difíceis, de pouca fala e teimosos. Ao morrer, o pai de Patrick deixou testamento no qual entrega a guarda do filho ao irmão. Mas este, embora seja perceptível que nutre afeição pelo sobrinho, hesita em transformá-lo em seu filho substituto.

Há algo que nos angustia aqui – e faz parte do tom geral do filme: as coisas nunca saem da maneira como esperamos, em especial quando se trata de um cinema conhecido por seu simplismo. Estamos habituados a um ritmo de roteiro que sempre contrapõe tensão e alívio, sufoco e respiro. Em Manchester não é assim. As relações humanas parecem travadas por alguma coisa que não percebemos e essa situação é mantida sem qualquer catarse à vista.

A estratégia de Kenneth Lonergan parece ser esta: manter os sentimentos em suspense, como se congelados. Não é gratuito ambientar a trama num clima marítimo e frio, expresso numa fotografia de cores desmaiadas. Uma foto invernal, em que as cores de pouca saturação levam ao espectador a sensação das temperaturas gélidas. Que, claro, são a maneira pictórica de falar da frieza emocional do personagem, que podemos entender em determinado momento como um dado de caráter, mas que depois descobrimos ter outra origem.

Não deve ter sido muito fácil manter todos esses elementos sob controle, ainda mais quando se trabalha numa cultura do final feliz ou do alívio dramático. Também deve ser anotado o fato de Casey Affleck interpretar de maneira tão contida um homem de intenso drama pessoal. E isso numa cultura cinematográfica que valoriza demais a dinâmica emocional, a expressão paroxística, etc. Talvez o fato de Lonergan ter vindo do meio teatral explique tratamento tão sofisticado quanto surpreendente.

Manchester à Beira-Mar é, até agora, entre os filmes que se candidatam ao Oscar, o que exibe envergadura mais madura, tanto do ponto de vista temático quanto da linguagem cinematográfica. Não está onde se espera e não faz qualquer concessão comercial aparente. É filme para adultos, uma faixa de público que vem sendo progressivamente descartada por uma indústria preocupada em oferecer produtos para adolescentes de todas as idades. Em todos os sentidos, Manchester é uma avis rara, um ponto fora da curva.

Filmaço, em suma.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.