‘Mamma Roma’, de Pasolini, agora em DVD

Escritor, poeta, ensaísta, roteirista e diretor – Pier Paolo Pasolini era único e era múltiplo. Indiscutivelmente – escreve Jean Tulard no Dicionário de Cinema – o mais forte personagem do cinema italiano nos anos 1960 e 70. Mal comparando, Pasolini foi um agitador cultural, como Glauber Rocha no Brasil. Ambos fizeram grandes filmes, outros nem tão grandes. Quiseram mudar o mundo. Viveram e morreram cercados de polêmicas – Pasolini ainda foi vítima de morte violenta, naquela praia (Óstia). Vivia denunciando o risco do neofascismo na Itália. Se tivesse vivido mais, pode-se imaginar sua guerra contra o império de comunicação e a própria persona do capo Silvio Berlusconi.

Pasolini tinha 40 anos – nasceu em 1922, morreu em 1975 – quando fez seu segundo longa, Mamma Roma, que a Versátil resgata num belo lançamento em DVD. Já escrevera romances (Ragazzi di Vita) e poesias (As Cinzas de Gramsci) e adquirira reputação como roteirista de Federico Fellini e Mauro Bolognini. Influenciado por Antonio Gramsci, Pasolini acreditava na cultura nacional/popular. E amava o subproletariado urbano, no qual depositava a esperança de transformação da sociedade italiana. Conhecia os becos de Roma, falava a linguagem dos incultos – os ‘cafoni’, como eram chamados.

O primeiro Pasolini surgiu para retratar esse universo, que o aburguesamento da sociedade e do cinema italianos vinha abandonando. Com Accattone e Mamma Roma, em 1961/62, Pasolini propõe o neoneorrealismo, que transforma em cinema de poesia. Mamma Roma é a ex-prostituta que, no quadro da Itália pós-reerguimento econômico, sonha com a respeitabilidade. Sua meta é mudar-se para um prédio de apartamentos, ser tratada como ‘signora’. O filho delinquente não participa das ambições pequeno-burguesas da mãe. Surge o antigo gigolô de Mamma Roma. Uma vez prostituta, sempre prostituta. Ele a força a voltar às ruas. Precipita-se a tragédia – o filho será a vítima. Por meio dele, a mãe. Você não vai se esquecer de Mamma Roma emparedada naquela janela.

Para o emblemático papel de Mamma Roma, Pasolini recorreu a uma atriz rara. Tendo surgido como representação da mulher comum no neorrealismo – Roma, Cidade Aberta, de Roberto Rossellini -, Anna Magnani virou estrela em Hollywood, e até ganhou o Oscar, por Rosa Tatuada, vivendo uma personagem de Tennessee Williams, em 1955. Luchino Visconti enquadrou criticamente o fenômeno do divismo na Magnani. Em Belíssima, de 1951, criou a cena famosa em que a Magnani, diante do espelho, como a mãe que tenta cavar um papel para a filha pequena num filme, se pergunta – o que é representar?

Como se ela não soubesse. Anna Magnani é excepcional em Mama Roma. Pasolini, disseram os críticos na época, redivinizou a Magnani. Mas, ao mesmo tempo em que muita gente aplaudia o autor – a maioria da crítica e do público, talvez -, outros o acusavam. Afinal, como discípulo de Gramsci e poeta do subproletariado, Pasolini devia acreditar no papel do artista como transformador social. A pedra de toque da sua crença sempre foi a riqueza dos egressos do mundo rural, e que formavam na cidade o subproletariado. Mesmo a esquerda tradicional não valorizava o potencial desse segmento agrário e pré-industrial. A transformação, como acreditava o próprio Luchino Visconti em Rocco e Seus Irmãos, de 1960, só poderia vir de Ciro, o operário sindicalizado da Alfa Romeo. Seu beneficiário seria Lucca, o mais jovem dos irmãos.

MAMMA ROMA – Direção: Pier Paolo Pasolini. Distribuição: Versátil (106 min., R$ 49,60)

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.

Grupos de WhatsApp da Tribuna
Receba Notícias no seu WhatsApp!
Receba as notícias do seu bairro e do seu time pelo WhatsApp.
Participe dos Grupos da Tribuna
Voltar ao topo