“Não, não!” As palavras ecoam pelo auditório quase vazio, com força o suficiente para que os músicos deixem de tocar o melancólico Adágio para cordas de Samuel Barber. Das primeiras fileiras da plateia, levanta-se um homem alto, barbas e cabelos brancos, feição sisuda. Aproxima-se do jovem regente, coloca as mãos sobre seu ombro. “Você não está ouvindo. Há uma razão para este clímax. E para a pausa que se segue. Você só está preocupado com o som. Ouça também o silêncio. E vai ficar claro o que você tem que fazer”, diz Kurt Masur, um quase sorriso no rosto. Pouco mais de uma hora depois, o ritual se repete. O ensaio da Sinfonia nº 1 de Mahler é interrompido. Masur volta ao palco. “Você já sofreu?”, pergunta a outro aluno. “Você já sofreu? Já passou fome?” Um breve – e interminável – silêncio. Eu jamais desejaria isso a você. Mas a imaginação do sofrimento é fundamental. Mahler está falando de desespero. Você precisa aceitar e entender esse desespero.”

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Compreensão, essência, significado, gesto, construção. Tensão, silêncio. Esses eram termos comuns nas aulas oferecidas pelo maestro alemão Kurt Masur – como esta, realizada no Festival de Inverno de Campos do Jordão, em 2008. Eram momentos únicos e especiais, que, com a morte do maestro, no sábado, 19, aos 88 anos, passam a integrar o legado de um músico, que, considerado um dos últimos representantes da celebrada tradição musical germânica, entendia a arte da interpretação musical como um ente vivo, apontando sempre em direção ao novo.

Masur foi diretor da Komische Oper, de Berlim, da Filarmônica de Dresden e do Gewandhaus de Leipzig. Mais tarde, nos anos 90, comandaria as filarmônicas de Nova York e de Londres e, em 2002, assumiria o posto de diretor musical e regente titular da Orquestra de Paris. Em Leipzig, no final dos anos 1980, tornou-se símbolo de diálogo ao abrir as portas do teatro para encontros entre representantes do governo, do partido comunista, da política secreta alemã e de manifestantes pró-democracia. Semanas mais tarde, abrigou manifestantes dentro do teatro, evitando um confronto com a polícia, que se armava na praça em frente ao Gewandhaus. Sua atuação fez com que, no início dos anos 1990, ele fosse sondado para uma possível candidatura à presidência da Alemanha. Ele recusou. Longe dos palcos, outro episódio marcante foi o envolvimento em um acidente de carro no qual sua segunda mulher e os dois passageiros do outro veículo foram mortos.

Masur esteve no Brasil pela primeira vez nos anos 1970, regendo a Orquestra Sinfônica Brasileira. Anos mais tarde, se tornaria mentor do maestro Roberto Minczuk, mantendo desde então relação ainda mais próxima com o País.

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Em 2001, veio a São Paulo com a Filarmônica de Nova York e, pouco depois, comandou a Osesp. Em 2010, realizou um ciclo de concertos com a Sinfônica Brasileira, no Rio de Janeiro, interpretando o ciclo das sinfonias de Brahms.

Na ocasião, fez ao Estado um balanço de sua trajetória. “Eu continuo buscando, como aprendi desde cedo, a ser eu mesmo. Aos cinco anos de idade, vi fascistas e comunistas lutando. Depois, Hitler chegou ao poder. Não esqueço de meu pai me dizendo: ‘Viva, mas seja você mesmo’. O mesmo ouvi de um padre durante a guerra. ‘Seja você mesmo’. Sempre. Tive uma longa vida. Eu sei o que é a brutalidade. Eu sei o que é a tristeza. Mas sei também o que é o amor. E, se isso me define enquanto ser humano, define também a música que eu faço.”

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As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.