A seca mudou o aspecto do Rio Piracicaba. As águas vultosas agora deixam entrever as pedras do leito, nas quais os pescadores se equilibram. Enquanto isso, nas margens, famílias passeiam na tarde de sábado. E é caminhando por essa paisagem da infância que o maestro Jamil Maluf fala pela primeira vez de sua saída do Teatro Municipal de São Paulo, onde trabalhou 34 anos e de onde partiu em 2014, com a chegada de John Neschling à direção artística. “Não é uma questão resolvida. Mas passou”, ele diz, com expressão tranquila. “O Municipal foi minha grande casa e sair de lá foi um processo brutal. Mas não é a hora de pensar nisso. O momento agora é outro.”
O “momento” o levou justamente de volta à cidade natal, de onde saiu em 1969 para estudar regência na Alemanha. Ao voltar ao Brasil, nos anos 1980, criou a Orquestra Experimental de Repertório, corpo estável do Municipal, e radicou-se em São Paulo. Mas, no ano passado, recebeu um convite: assumir a Sinfônica de Piracicaba. Colocou uma condição: a possibilidade de reformular o grupo por completo. E, com a verba da prefeitura triplicada, de R$ 200 mil para R$ 600 mil, e um projeto de R$ 2,5 milhões aprovado na Lei Rouanet, aceitou o desafio. “Quantos maestros passam a vida toda sem ter uma orquestra? Eu tive a chance de criar a Experimental e, agora, recebo a oportunidade de reinventar um novo grupo. É algo raro, que precisa ser aproveitado.”
A orquestra da cidade – que, no final do século 19, foi um dos maiores polos de produção de açúcar e álcool do País – está completando 115 anos. É um dos mais antigos conjuntos sinfônicos brasileiros. Mas com uma história de altos e baixos. Até 2014, por exemplo, eram realizados apenas dois concertos ao ano. Em 2015, o cenário é diferente. Maluf realizou audições para completar o quadro de 53 músicos, formado de profissionais e estudantes – entre eles, músicos com que já havia trabalhado na Experimental, como o violoncelista André Micheletti. Na noite de sábado, no Teatro do Engenho, a orquestra abriu a sua temporada, tendo o pianista Eduardo Monteirocomo solista. E, até dezembro, serão apresentados mais oito programas, com maestros e artistas convidados, antecedidos de palestras do professor da Unicamp Jorge Coli.
“O ideal ainda é chegarmos a setenta músicos, mas, com essa quantidade atual, já podemos realizar bastante coisa”, diz Maluf. Ele continua morando em São Paulo, mas enxerga no interior do Estado grande potencial. “Duas coisas me levaram a aceitar este convite, além do claro comprometimento da prefeitura. A primeira é a percepção de que está mais do que na hora de descentralizar a atividade musical. E a segunda é o desemprego: formamos gerações de instrumentistas que não têm onde tocar. Dar nova vitalidade à produção musical do interior é um caminho para resolver esta questão.”
Um rápido olhar, do litoral à região oeste, aponta a existência de pelo menos dez orquestras com temporadas regulares ou polos de formação musical espalhados pelo Estado, com destaque para o Conservatório de Tatuí e as sinfônicas de Campinas e Santos. “Cada grupo tem a sua realidade, mas as experiências são parecidas. Meu desejo é conversar com o secretário de Estado da Cultura, Marcelo Araújo, e propor um programa estadual de fomento. Há grandes empresas no interior de São Paulo e não seria demais pensar em parcerias entre iniciativa privada e poder público.”
Enquanto isso não acontece, o foco de Maluf está em Piracicaba. Além do Teatro do Engenho, a orquestra espera poder contar com um outro espaço, o Teatro Municipal Dr. Losso Netto, que está sendo reformado pela Brasil Arquitetura, mesma empresa responsável pela Praça das Artes, em São Paulo, com projeto acústico de José Augusto Nepomuceno, o mesmo da Sala São Paulo. O destaque da obra é restabelecer o fosso, o que vai permitir a realização de uma variedade maior de espetáculos. A expectativa, segundo a secretária municipal de Cultura Rosângela Rizzolo Camolese, é reinaugurar o espaço no segundo semestre. “Gostaria que fosse com uma ópera”, diz Maluf. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.