Thomas Vinterberg já havia abordado o polêmico tema do abuso infantil em Festa de Família. Lembram-se? A festa do título virava o momento em que a família se reunia, afloravam os ressentimentos e vinha à tona a revelação de que o patriarca, cujo aniversário se comemorava, havia abusado dos próprios filhos. O tema volta agora em A Caça, que deu a Mads Mikkelsen o prêmio de melhor ator no Festival de Cannes do ano passado. Ele faz o professor acusado de abusar de menina no jardim de infância. A acusação não tem fundamento – o espectador sabe -, mas o professor é estigmatizado e discriminado. Os amigos desertam e ele não tem como provar a inocência. As reações tornam-se violentas. A caça do título ganha múltiplas conotações.

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Antes de virar o vilão de 007 – Cassino Royale, de Martin Campbell, infernizando a vida de Daniel Craig, Mads Mikkelsen já era um ator conhecido do público. Ele foi o Stravinski do belo filme de Jan Kunen sobre a ligação do compositor com a estilista Coco Chanel. No ano passado, além do prêmio em Cannes, participou de A Royal Affair, de Nikolaj Arcel, que valeu a seu colega de elenco – Mikkel Boe Folsgaard – o Urso de Prata de ator em Berlim e ficou entre os cinco indicados para o Oscar de filme estrangeiro neste ano.

O próprio Mikkelsen disse ao repórter, em Cannes, o que o atraiu no projeto de A Caça. “Foi o fato de abordar um tema complexo como o abuso infantil sem apontar o dedo acusador para ninguém. Lendo o roteiro, eu conseguia entender todo o mundo, do meu personagem aos pais da menina que sou acusado de abusar. Isso é raro, e o filme ainda trata dos riscos da correção política. Muita coisa dessa tragédia vem do fato de que as pessoas, na comunidade, estão querendo ser corretas.”

Embora seja um ator ‘internacional’, ele estava particularmente feliz porque o sucesso de A Royal Affair e A Caça celebrava o cinema de seu país, a Dinamarca. “Foram filmes que fiz com amigos, quase em família”, definiu. Sobre a parceria com Vinterberg, foi taxativo – “O roteiro era muito bem escrito, mas ele sempre deixou espaço para nossa improvisação (dos atores). Foi um filme feito em equipe, com muita colaboração, mas o maestro (o regisseur) era ele”.

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A Caça é muito bem construído, como se um cerco se fechasse em torno do personagem de Mikkelsen. O clima torna-se opressivo e o público, que se identifica com o herói oprimido, espera por sua reação. A cena em que Lucas (Mikkelsen) vai à igreja é quase insuportável pelo grau de tensão. A violência vai terminar gerando mais violência. Quando ela ocorre, há uma catarse. Em Cannes, a plateia – jornalistas de todo o mundo – aplaudiu na cena do supermercado. Também em Cannes, na coletiva após a primeira exibição de A Caça, o diretor falou sobre as pesquisas que fez com o roteirista Tobias Lindholm. “Nos inspiramos em vários casos de abusos sexuais publicados na imprensa. E o que constatamos é que as crianças são duplamente vitimizadas, porque quase sempre elas precisam mentir aos adultos, para satisfazê-los. Temos um provérbio na Dinamarca que diz que apenas as crianças e os bêbados dizem a verdade. É mentira. Fizemos questão de deixar portas abertas que questionam isso.”

A CAÇA – Título original: Jagten, Direção: Thomas Vinterberg. Gênero: Drama (Dinamarca/2012, 115 min.). Classificação: 14 anos.

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As informações são do jornal O Estado de S.Paulo