“Minha família é militar. Sempre fui careta. Nunca vi maconha na minha vida. Se eu paro para pensar que eu dou três drogas para meu filho hoje ( Topiramato e o Depakene, e dou o Klobazam, um tarja preta), para um bebê de um ano e três meses, por que não posso dar o CBD? Se a luz no fim do túnel é essa e se o CBD dá na maconha, OK. A gente vai usar maconha. Se desse no abacaxi, a gente usava folha do abacaxi, mas não dá”, diz Camila Guedes em cena do documentário Ilegal, que estreia nesta quinta-feira, 9, depois de ter suscitado debates e discussões não só sobre a legalização do uso medicinal de derivados da Cannabis Sativa (nome científico da maconha) como também sobre a luta de um grupo de pais contra a burocracia da política brasileira.

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Isso porque o CBD é o canabidiol, substância derivada da maconha, que não possui efeito tóxico nem alucinógeno e se mostrou eficaz no tratamento de males como dor crônica, esclerose múltipla, Alzheimer, além de epilepsias refratárias e as ditas epilepsias catastróficas, como a síndrome de Dravet. A questão é que o canabidiol é proibido no Brasil e está na lista de substâncias proscritas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).

É a síndrome de Dravet, o mal com que nasceu o pequeno Gustavo, filho de Camila. Depois de tentar de tudo, o uso do CBD se mostrou o único tratamento possível. “A primeira vez que li sobre isso, vi como a viagem de uma mãe. Pensei: ‘ Nunca vou dar maconha para o meu filho.’ Depois que vi Ilegal, aquilo se tornou algo mais real, mais humano”, declara Camila em cena de Ilegal, em referência ao curta que o jornalista Tarso Araújo e o documentarista Raphael Erichsen dirigiram antes do longa homônimo.

Foi ao ver, no curta, a luta de mães como Katiele Fischer para tratar as convulsões de sua filha Anny com canabidiol que Camila teve a dimensão exata de que seu drama era o mesmo de tantas outras. E é exatamente revelar a batalha dessas famílias para vencer a burocracia e o preconceito que a dupla diretores fazem a realizar Ilegal, que tem produção da paulistana 3Film em parceria com a revista Superinteressante.

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“Começamos esta história em março, com o curta. E a repercussão foi muito maior do que a gente pensava. Muita gente se identificou, interessou. É preciso vencer o preconceito em torno do assunto. Por isso, além dos três curtas que realizamos, organizamos a campanha Repense (campanharepense.org), mergulhamos no projeto”, conta Raphael.

Vale lembrar que o longa, que, assim como o curta, nasceu a partir de uma série de reportagens realizadas por Araújo para a revista Super Interessante, não é apenas um tratado sobre a legalização do uso medicinal e nem mesmo recreativo da maconha, mas sim uma metáfora muito contundente dos mecanismos lentos de mudança do Brasil e do quanto o preconceito ronda o assunto. “Fizemos o filme não para falar de maconha, mas de algo amplo, sobre a batalha destas mães, que enfrentam uma série de burocracias. É isso que o brasileiro encontra quando vai atrás de direitos que deveriam ser garantidos pelo Estado”, declara Tarso, autor de Almanaque das Drogas.

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Muito pelo objetivo dos diretores, Ilegal não começa, como poderia se supor, com entrevistas com médicos e especialistas sobre o mecanismo de atuação do canabidiol e como Anny, de apenas cinco anos, passou de 60 convulsões por semana para praticamente nenhuma depois de começar a ser tratada com o CBD.

A primeira cena revela Katilene às voltas com ligações intermináveis para os Correios, tentando, em vão, falar com alguém que lhe explique onde foi parar sua encomenda de canabidiol. Ilegal e não catalogado pela Anvisa, o produto foi retido. Enquanto os pais tentam ter acesso ao CBD, as convulsões de Anny voltam.

Ao telefone, o tom robótico com que a atendente fala revela o abismo que há entre os que seguem a cartilha da burocracia e os que, como ela, veem seus filhos convulsionarem todos os dias. De um call center a outro, Katilene e seu marido, que, em meio a pesquisas sobre o que poderia ajudá-los a melhorar a qualidade de vida da filha, portadora de um caso raro de epilepsia, descobriram o CBD, chegam finalmente ao Congresso Nacional e a uma reunião da Anvisa.

Quem chega também é Margarete Brito, mãe de Sofia, que, além de ser uma das fundadoras da Appepi (Associação de Pais de Pessoas com Epilepsia de Difícil Controle), uniu-se a Katilene e Camila na batalha para sensibilizar deputados e órgãos oficiais pela inclusão do CBD entre as substâncias permitidas pela Anvisa.

Ainda que haja muito preconceito e desinformação sobre o assunto no Brasil, mesmo depois de ser difundido e legal em vários países, como os EUA, a Espanha e a Holanda, Tarso mantém o otimismo. “É importante falar disso na mídia. Mas, ao mesmo tempo, já percebemos que o Estado não está ligando muito para esta questão. Apesar do barulho, não sabemos se vai haver uma reação institucional seja por parte da Anvisa seja do Congresso. A perspectiva de sair algo progressista hoje é mínima em relação à política das drogas. Esta eleição aprofundou ainda mais o conservadorismo do Congresso. Não sei se dá para esperar muita coisa, mas sejamos otimistas. É preciso debater e lutar”, declara o diretor. “É absurdo total negar o potencial medicinal da maconha em pleno século 21, com dezenas de testes sendo feitos nos EUA. É muito atraso. Precisamos avançar”, acrescenta Tarso, que no dia 31, após sessão especial no Auditório do Ibirapuera, participa de debate sobre o poder do cinema como experiência de transformação social, como parte do encerramento da Mostra de Cinema de SP. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.