M. Night Shyamalan teve uma agenda concorridíssima em São Paulo. Veio promover o lançamento – nesta quinta, 23 – de Fragmentado. Chegou na segunda e, à noite, já estava participando de um debate sobre o filme. Na terça, passou o dia dando entrevistas e, à noite, prestigiou outra pré-estreia (para convidados). Na quarta, participou de mais um debate e regressou a Nova York. Shyamalan encantou todo mundo com sua simpatia e articulação. Está radiante – o filme estourou nos EUA. No Brasil, vai entrar em 600 salas. Há tempos o autor de O Sexto Sentido e Corpo Fechado não agradava tanto à crítica e ao público. Fragmentado tem a cara dele. Um certo Kevin (James McAvoy) sequestra três garotas. Ele sofre de um distúrbio de personalidade. Sua mente divide-se em 23 personas, e a 24ª, a mais letal, está para irromper. Com a palavra, ‘Night’.

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Seus temas preferidos são as mentes divididas e as revelações finais, que são muito fortes e marcam O Sexto Sentido e, agora, Fragmentado. Mas, na verdade, e não é preciso nem lembrar A Dama da Água, o ato de contar histórias é o que o move. Por que a storytelling é tão importante?

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Porque eu trabalho com narração, e qualquer pessoa, em qualquer mídia, sabe que contar uma história exige certos pré-requisitos. Conto histórias de uma determinada natureza. Gosto do fantástico, do sobrenatural. O caso de Fragmentado talvez seja o mais radical de minha carreira. Esse filme começou a nascer quando ainda namorava minha mulher, e ela estudava psicologia. Para permanecer junto dela, eu a acompanhava nas atividades acadêmicas. Descobri a síndrome das múltiplas personalidades, que mexeu muito comigo pelas possibilidades narrativas. Foi um roteiro muito trabalhado, que demorei para desenvolver. Tive assessoria de especialistas. É difícil falar sem incorrer no risco de spoiler, mas o final surpresa desse filme remete a um outro filme meu, do qual ele passa a ser… Cuidado! Mas a questão então é sempre – como contar as histórias que a gente quer? Eu conto, e depois o estúdio entra em cena. O estúdio (Universal) emoldurou Fragmentado como um drama psicológico de suspense. É importante não decepcionar o público, mas, em geral, não penso nisso. Tive a sorte de emendar grandes sucessos quando comecei – Sexto Sentido, Corpo Fechado, Sinais. Depois, os resultados foram mais desiguais e tem gente que acha que persigo o sucesso. Persigo as boas histórias, isso sim.

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Seus filmes são sempre metafóricos. A Vila é sobre a ‘América’ pós-11 de Setembro, Fim dos Tempos é sobre a paranoia da era George W. Bush. E Fragmentado?

Você que me diga. Não cabe a mim ficar dizendo sobre o que é o filme. Acho muito interessante quando as pessoas me propõem a visão delas…

Você se estabeleceu como um dos grandes criadores de monstros do cinema dos últimos 20 anos. Num certo sentido, Fragmentado é sobre dois monstros…

…Dois?

Kevin, com suas personalidades múltiplas, incluindo a Fera (The Beast), e uma das garotas, Casey…

…Mas Casey não é um monstro, ela é apenas diferente e o que o filme explora é o medo do diferente. Isso está muito enraizado na cultura norte-americana. Estamos agora num desses momentos em que o outro está sendo demonizado na América. Não vou dizer que fiz Fragmentado para esse momento, porque a gestação do filme vem de longe. Mas é impressionante como ele surge no momento certo. A adesão do público é a prova de que o filme aborda coisas que estão no ar, ou no imaginário coletivo.

Na coletiva você disse que trabalha numa sequência…

… Que já gostaria de filmar em seguida para lançar no ano que vem. São muitas coisas irresolvidas, às quais gostaria de voltar. Mas fiquei curioso, por que você acha que a garota também é um monstro?

Pelo estranhamento que ela produz, e também por revelações que é bom não antecipar, porque poderiam comprometer o final. Mas talvez seja só essa questão cultural que você aborda, o medo do outro. Na verdade, acho seu cinema bem profundo. Seu poder de sugestão é grande, a forma de abordar o inconsciente. Corpo Fechado é um dos grandes filmes sobre racismo da história de Hollywood.

Sobre o quê?

Racismo, você não concorda comigo?

Já ouvi muitas interpretações sobre aquele filme e o sr. Vidro, mas essa é a primeira vez que ouço falar em racismo. De onde você tirou isso?

Na verdade, começou numa entrevista com Olivier Assayas, o diretor francês, ex-crítico de Cahiers du Cinéma. A revista tem muito apreço pelo seus filmes, e mais que todos, por Corpo Fechado. Para terminar, qual o último filme que você viu?

Lion, do qual gostei bastante.

E o melhor filme, para você. Qual é?

O Poderoso Chefão. Pela sua cara, vejo que você não concorda.

Não, pelo contrário, gosto muito do filme de Francis Ford Coppola. Mas, pelo seu cinema, arriscaria, sei lá, um Kubrick…

Falamos de storytelling. Não existe filme mais bem narrado. O Chefão é um monumento.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.